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“Não há porque falar em déficit, já que a Previdência não é uma conta à parte da Seguridade”, afirma economista

23 de Janeiro de 2016 às 15:13:51



Frederico Melo, do Dieese, explica o que está sendo discutido em relação à aposentadoria




Por Wallace Oliveira


Revista Brasil de Fato


Em novembro, a presidenta Dilma Rousseff sancionou uma medida de reforma previdenciária, introduzindo regra para a aposentadoria que combina o tempo de contribuição com a idade. O tema promete estar presente nos embates políticos deste ano. Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista Frederico Melo, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), analisa os debates sobre a reforma da Previdência e defende o fortalecimento do sistema da Seguridade Social no Brasil.


Brasil de Fato – Com relação às regras para aposentadoria, qual a diferença entre as mudanças que o governo aprovou em novembro e o que a presidenta Dilma disse que ainda pretende fazer?


Frederico Melo – No ano passado, o Congresso aprovou o fim do fator previdenciário, mas Dilma vetou, colocando no lugar um mecanismo que combina a idade com o tempo de contribuição.


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Previdência Social e Dívida Pública


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No Brasil, há dois tipos de aposentadoria no regime geral para os trabalhadores do setor privado. Na aposentadoria por tempo de contribuição, homens se aposentam depois de contribuírem por 35 anos e mulheres depois de 30. Na aposentadoria por idade, homens aposentam com 65 anos e mulheres com 60, exceto no setor rural e entre os professores. Uma mulher pode se aposentar antes dos 60 anos ou um homem antes dos 65, mas o fator previdenciário reduz o valor do benefício a ser recebido, de acordo com a idade em que a pessoa completa o tempo de contribuição.


Com a medida aprovada por Dilma em novembro, homens podem se aposentar se a soma de seu tempo de contribuição com sua idade for igual a 95 e mulheres se a soma for igual a 85. Por exemplo, um homem de 60 anos que contribuiu durante 35 anos pode se aposentar com o valor integral do benefício, eliminando os efeitos do fator previdenciário. 


O fator não perdeu validade. Opta-se pelo fator ou a combinação [idade mais tempo de contribuição]. Só que, do ponto de vista do governo e de algumas pessoas que acham que a Previdência tem um déficit explosivo, essas medidas não contribuiriam com a redução do déficit, pois o mecanismo 85/95, que vai aumentar ao longo do tempo [até chegar a 90 para mulheres e 100 para homens], permitiria que pessoas mais jovens tivessem acesso ao benefício. Por isso, agora falam numa idade mínima para aposentadoria.


O aumento da idade mínima para aposentar pode ser aprovado em 2016?


Essa discussão ainda está incipiente. Estamos em ano eleitoral e dificilmente o Congresso terá condições de aprovar alguma medida desse porte. Os partidos não vão querer votar algo tão mal visto pela população em época de eleições.


O discurso dominante nos meios de comunicação e no governo sustenta que, com o envelhecimento da população, o aumento da idade mínima é indispensável para sanar o déficit da Previdência.


É verdade que a população está envelhecendo. Isto vai colocar uma pressão sobre as contas da Previdência, modificar as políticas de saúde, trabalho e a forma como se cuida de pessoas idosas. É importante, pois, que a sociedade discuta essa questão. Entretanto, não dá para fazer uma ligação automática entre o envelhecimento populacional e a mudança no sistema previdenciário.


O desenho estruturante brasileiro é o da seguridade social, que contempla pelo menos assistência social, saúde e previdência. Algumas pessoas acrescentam a esse desenho o seguro desemprego e a educação. Nessa concepção sistêmica, não há porque falar em déficit, já que a previdência não é uma conta à parte da seguridade. O sistema da seguridade prevê uma base mais ampla de financiamento, que não recai apenas sobre as contribuições previdenciárias. Existem contribuições sobre lucro, sobre faturamento e outras receitas listadas pela Constituição.


O gasto com pagamento de juros foi maior do que com a Seguridade, transferindo renda para quem tem títulos da dívida. Se formos discutir o financiamento do Estado, que comecemos, então, pela dívida e os juros.


Analistas de linha neoliberal têm dito que o reajuste do salário mínimo para R$ 880 seria desastroso para as contas da Previdência.


Esse problema tem que ser colocado por outro ângulo: qual é o custo de manutenção das famílias em condições adequadas? O patamar de R$ 880 ainda é um valor muito baixo. Ora, se é pequeno, permite a sobrevivência em uma situação muito precária. O que fazer para que a Seguridade Social seja capaz de sustentar valores mais reais? Acredito que a questão deva ser colocada dessa forma. 


Como a ampliação do mercado formal de trabalho pode contribuir com a sustentação da Seguridade Social?


A formalização, compreendida num sentido amplo, tanto dos trabalhadores quanto das empresas, aumenta a base de arrecadação da seguridade social. O aumento do número de trabalhadores que contribuem com o INSS eleva as receitas da Previdência. A formalização das empresas contribui para o aumento da base de sustentação.