A luta pelo passe livre e a ordem pública numa era de violência*
19 de Junho de 2013 às 01:23:45Por Prof. Dr. Hélvio Mariano. Departamento de História da Unicentro, Guarapuava-PR.
O artigo de Eric Hobsbawm, A ordem pública em uma era de violência, presente no livro Globalização, democracia e terrorismo, é leitura obrigatória para quem busca compreender como agem as polícias em lutas de trabalhadores, movimentos populares ou estudantis. Existe, segundo o autor, toda uma indústria por trás da repressão, assim quanto mais violência à mídia burguesa apresenta, mais dinheiro se gasta na compra de equipamentos de segurança, entre eles armas não letais. Ao ser convidado para uma palestra na Noruega, Hobsbawm observa que no folheto do Hotel onde seria realizado o evento, tinha como grande atrativo a questão da segurança. Não destacava as belas paisagens que cercavam o local, e sim as "janelas à prova de balas". Na Noruega, sim. Na Noruega, escreve atônito o historiador. O fato de um hotel, situado em um dos países mais seguros do mundo e com uma das melhores distribuições de renda, se preocupar tanto com a segurança dos seus hóspedes, chamou a atenção de Hobsbawm, que ao iniciar sua conferência, retomou ao debate sobre este ponto e outro que ainda estava em sua memória, à reclamação da Associação de Chefes de Polícia da Inglaterra, que dizia não ser mais possível controlar as desordens públicas sem uma nova lei de segurança. Os dois fatos, separados por quase duas décadas, demonstravam a mesma preocupação, a segurança. Mas a segurança de quem? Dos cidadãos ou das empresas privadas? Ou ainda, o que estaria em jogo não seria uma articulação do estado para gastar mais dinheiro com segurança, fomentando as indústrias privadas que ofereciam este serviço? Para Eric Hobsbawm, nossa época havia se tornado mais violenta, inclusive nas imagens. Mas o que significaria manter a ordem pública nestes tempos de aumento da violência e a segurança dos cidadãos, sem atacar as poderosas indústrias de armas letais, que estão à disposição de milhões de pessoas. Para o autor, antes a culpa era da guerra fria, a necessidade de se armar contra o perigo vermelho vindo do leste. Mas hoje se tornou algo tão lucrativo que a produção vem aumentando com o passar dos anos.
Se de um lado aumentam as vendas para a população, do outro, o Estado passa a ser o maior comprador de armas, letais e não letais, leves ou não. Para completar o quadro, o número de agentes de seguranças e policias tiveram um crescimento expressivo, bem como a ampliação de equipes especializadas em confrontos com a população civil. No nosso caso, temos as tropas de choques, situadas em todos os estados e prontos para reprimir qualquer manifestação que altere a cartilha pré-estabelecida do que seria segurança pública. Ou quem protege quem? Desta forma, segundo Hobsbawm, não é só a mão de obra que aumenta, aumenta também o emprego da força, pois os especialistas em empregos de massas hoje dispõem de quatro tipos de instrumentos par enfrentarem manifestações: químicos( por exemplo gás lacrimogêneo), cinéticos (com armas de dispersão), balas de borrachas, jatos de água e tecnologias de atordoamentos. Como vivemos numa época em que as armas são exclusivas das forças armadas e militares (exceto alguns países, como os Estados Unidos da América), só um lado tem armas letais e dispersão, no caso do Brasil, utilizadas em larga escala contra qualquer manifestação. No caso de São Paulo, as atividades pelo passe livre, armas não letais foram utilizadas, como balas de borracha, gás lacrimogêneo e de dispersão ou efeito moral. No caso da tentativa de reintegração de posse em uma fazenda no Mato Grosso do Sul, na cidade de Sidrolândia, além das armas não letais utilizadas, um indígena foi morto com um tiro de arma letal. Com o advento dos grandes eventos no país, haverá aumento dos efetivos das forças de controle e dispersão, bem como aquisição de uma quantidade sem fim dos materiais descritos acima, como bombas de gás lacrimogêneo, sprays de pimentas e carros que lançam jatos de água. Estoques de balas de borrachas e equipamentos de prevenção a "ataques terroristas" e ameaças externas serão adquiridos com dinheiro público que jorrará abundantes para os caixas de poucas indústrias privadas e no final dos eventos, todos estes equipamentos de segurança irão compor os instrumentos das forças estaduais e federal na luta contra manifestantes com bandeiras, gritos e palavras de ordens, pedindo mais educação, saúde, trabalho, segurança, emprego, transporte público decente, moradia, cultura e lazer.
Mas boa parte do dinheiro para tudo isso, foi gasto em prédios para jogos de futebol, que agora precisam de segurança pública para proteger contra os que lutam para que o dinheiro gasto nas obras possa também servir a toda população e não apenas uma parte minoritária dela. Para proteger tais prédios, mais recursos em armas letais, mais seguranças, mais imagens na mídia burguesa de violência, que irá justificar cada vez o mais do mesmo, ou seja, mais gastos em armas letais e não letais e mais dinheiro para as indústrias de armas, mais propagandas nas mídias burguesas a serviço deste estado policialesco e menos liberdades para todos nós. Como diz um cartaz de uma manifestante pelo passe livre: quando seu filho estiver doente, leve ele até um estádio da Copa.
*Livro de Eric Hobsbawm. Globalização, democracia e terrorismo. Cia das Letras, São Paulo, 2007. No texto foi utilizado o capítulo: A ordem pública em uma era de violência, p.138-151.