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XVII Encontro do ANDES, Sindicato Nacional, sobre Aposentadoria alerta: os direitos sociais estão à venda

04 de Dezembro de 2012 às 01:55:17

O segundo e o terceiro dias do XVII Encontro Nacional de Assuntos de Aposentadoria do ANDES-SN, 1 e 2 de dezembro, foram marcados por intensos debates sobre as origens e razões do desmantelamento da Seguridade Social no Brasil.

A primeira tarefa da jornada de discussões, a qual coube ao 1º vice-presidente do ANDES-SN, Luiz Henrique Schuch, foi demarcar a reforma da Previdência e a perda de direitos da aposentadoria no contexto mais geral da reforma do Estado, das mudanças econômicas no processo de globalização e de seu impacto nas políticas sociais, notadamente depois da década de 1990, quando os discursos de teóricos econômicos brasileiros não escaparam à sedução do neoliberalismo.

"Foram discursos separadores de estamentos, como os interesses dos trabalhadores da nova geração versus os interesses dos trabalhadores da velha geração, os doutores contra os não-doutores, os ativos contra os aposentados, os celetistas contra os servidores públicos e daí por diante", disse, frisando que esses antagonismos são artificiais, articulados ideologicamente para separar a classe dos trabalhadores e atender aos interesses econômicos.

De acordo com o diretor do Sindicato Nacional, tal discurso foi assumido convenientemente por uma nova burocracia "arejada", forjada no Brasil por ideólogos, como Bresser-Pereira, para colocar o Estado a serviço do acúmulo do capital. Ele deixa claro que não se pode desvincular a reforma da previdência, que está longe de ser um mero arranjo para equilíbrio de caixa, como anuncia o governo, do novo papel do Estado neste contexto de mudanças no capitalismo contemporâneo, ou seja, das novas relações de acumulação.

"Há uma avidez dos capitalistas pelos recursos públicos, por novas fatias de mercado. Para resolver suas crises cíclicas, o capital precisa desenvolver sempre novos espaços de lucro, de acumulação da mais-valia. E a bola da vez é o setor de serviços internacionalizado, que nada mais é que aquilo que chamamos de políticas sociais. Esse é o novo lugar de exploração e obtenção de lucro", destacou Schuch. Ele explicou que essa nova investida é o que vem promovendo a extração compulsória dos fundos de previdência. "É neste patamar que devemos fazer a discussão de nossas perdas de direitos. O buraco é mais embaixo", adverte.

O 1º vice-presidente do ANDES-SN denuncia que os governos da última década assumiram a alcunha de "governo dos trabalhadores" de forma tendenciosa para facilitar e aprofundar as políticas de desmantelamento dos direitos trabalhistas conquistados, o que na prática opera a precarização do trabalho. Uma das nefastas consequências desse cenário que se acirra no Brasil, segundo Schuch, é a ruptura da solidariedade dos trabalhadores. "Muitas vezes, os valores da concorrência e a primazia dos direitos individuais são a antítese da solidariedade que é a base do discurso que defende a previdência pública", completa.

Schuch aponta o contraste entre o retrocesso em que o Brasil vem mergulhando, com a financeirização e mercantilização da Seguridade Social, com avanços que países da América Latina vêm galgando, como a Argentina, que está em recente processo de reestatização da Previdência Privada, depois das agruras promovidas pelo modelo neoliberal no continente.

"Como classe, temos que colocar um dique para estancar esse modelo, o seu discurso, a sua propaganda e os seus tentáculos de poder. Mas não há salvação indivisualizando, particularizando, fragmentando, pois a conta da crise vai continuar sendo transferida para os trabalhadores e entre esses a parcela que menos pode reagir", avalia.

O que está por trás do Funpresp

Luiz Henrique Schuch alerta que a conta da crise vai continuar sendo transferida para os trabalhadores, notadamente para as novas gerações. O maior exemplo recente disso foi a criação do Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), o qual, depois de implementado, será um dos maiores fundos de pensão do mundo, segundo a professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, Sara Granemann, responsável, ao lado de Maria Dirlene Marques, do Instituto de Ciências Econômicas da UFMG, por desvelar na jornada de debates o que está por trás do Funpresp.

"Não falta fundo público para a Seguridade, para a Educação e a Saúde. Mas existe uma escolha de direcionamento do fundo público para uma única missão: salvar os capitais em crise", denuncia Sara.

A professora da UFRJ destaca que o discurso do governo de que a Previdência é deficitária é uma falácia, um recurso estratégico para justificar sua privatização. Ao contrário disso, segundo ela, a Previdência é superavitária, e por isso é sedutora para os capitais a transformarem como lugar privilegiado de lucro. "As mercadorias clássicas estão abarrotando o mundo, ativando os limites máximos do capital. Por isso há uma busca agressiva de outros espaços de valorização e de acumulação", explica.

Sara frisou que 31 fundos de pensão já quebraram no Brasil nos últimos anos. "Isso não é noticiado pela mídia, pois seria muito ruim para o processo de adesão dos trabalhadores ao Funpresp. O fato é que o dinheiro dos trabalhadores simplesmente sumiu com a falência desses fundos. Para onde foi esse dinheiro?", questiona.

A professora é categórica ao dizer que fundos de pensão não são Previdência. "Estamos falando de uma massa de recursos não-reembolsáveis, de trabalhadores que não terão Previdência, já que há perdas de direitos. É um esquema em que o próprio trabalhador financia sua exploração", argumenta.

Sara denuncia ainda que fundos de pensão vêm sendo um ótimo negócio para certos setores da burocracia sindical no Brasil e no mundo. "A burocracia sindical faz um trabalho sujo e muito importante para o capital. Temos que refletir como isso é coincidente com a baixa de greves e com as relações de cooptação", ataca, alertando para uma urgente necessidade de rearticulação do movimento sindical em torno das lutas contra o avanço agressivo do capital sobre searas antes não visadas, como a própria previdência, cuja reforma no sentido da privatização, segundo ela, é vital para transformá-la em mercadoria.

"O certo é que há, sim, suficiente fundo público para que nossas aposentadorias sejam generosas, para que não percamos uma coisa muito boa que a humanidade conquistou, que foi o aumento da expectativa de vida", ratifica.

No entanto, a nefasta descaracterização do serviço público no bojo da reforma do Estado brasileiro, segundo Maria Dirlene Marques, combina as antigas medidas de austeridade do Consenso de Washington com uma ofensiva para criar novas fontes de lucro e crescimento. "Esse novo consenso definiu que o Estado deveria ser forte, ao contrário da versão anterior. E mais: que deveria cumprir dois papéis fundamentais: garantir o acúmulo do capital e fazer certas compensações com as políticas públicas", destaca, associando essas duas funções à financeirização e mercantilização das políticas públicas e à contrarreforma do Estado nos últimos governos.

Ebserh no bojo da contrarreforma

A professora Claudia March, da Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (Aduff) ressalta que no bojo dessa contrarreforma empreendida pelos governos petistas está uma das investidas mais agressivas à saúde no Brasil, um dos pilares da Seguridade e que deveria ser garantido pelo Estado. Trata-se da Emprensa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), criada para gestar financeira e administrativamente os 47 Hospitais Universitários do país.

"Toda a verba pública destinada aos Hospitais Universitários, mesmo que muitas Universidades não tenham aderido o Ebserh, já passa obrigatoriamente por essa empresa. O governo tratou de extinguir a diretoria dos Hospitais Universitários do MEC. Agora quem faz a gestão dos recursos desses hospitais é a Ebserh", denuncia Claudia. Segundo ela, isso significa a gestão privada de grande volume de recursos públicos sem controle social e consulta aos Conselhos Universitários.

Além da quebra da autonomia universitária, como inviabilização das decisões sobre ensino, pesquisa e extensão, segundo a professora da UFF, o recrutamento de técnicos-administrativos sob o Regime Jurídico Único será substituído pela contratação via CLT. "Isso vai acabar promovendo rotatividade e possibilitando a própria Ebserh a instituir fundos de pensão, já que lhe é próprio operar recursos públicos sob a lógica privada", argumenta.

Claudia destaca ainda que a essência privatista da Ebserh, ainda que não seja clássica, tem a permissão de produzir lucro, o que se configura como um sério risco de mercadorização das atividades fins universitárias, como o ingresso de planos de saúde e também acordos de produção de pesquisas submetidas às demandas dos setores privados que venham a firmar convênio com os HUs, como a indústria farmacêutica. "Tudo isso culmina na mercantilização e financeirização do ethos universitário e dos direitos do trabalhador", dispara.

Outra contribuição importante ao debate foi trazida pela auditora do Tribunal de Contas da União, Luciene Pereira, ao detalhar uma série de aspectos relacionados com desvios conceituais insuperáveis contidos na criação da Ebserh.

*por Débora Alcântara - especial para o ANDES-SN

Fonte: ANDES-SN