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"Bolsa Pesquisa do CNPq: é para poucos, e nem sempre são os melhores". Artigo publicado no Jornal da Ciência, da SBPC

01 de Fevereiro de 2012 às 00:53:32











Texto de Adair Bonini
Torna-se urgente que os problemas de avaliação, principalmente da Bolsa Pesquisa e do Qualis sejam debatidos e solucionados


Leia o texto enviado por Adair Bonini, professor e pesquisador da Universidade do Sul de Santa Catarina:

"Nos últimos dois anos a bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq e o Qualis da Capes têm se tornado os mecanismos centrais da organização da ciência no Brasil. Todos os demais mecanismos estão sendo gradativamente subordinados a esses dois, de modo que a avaliação mal feita nesse nível compromete e desestrutura todos os demais.

Se um periódico é mal avaliado na base Qualis, por exemplo, isso tem impacto na avaliação dos programas, na produção científica daquele campo e na própria sustentação do periódico, uma vez que, nessa condição, ele não pode mais concorrer, entre outros, ao programa editorial do CNPq/Finep.

Do mesmo modo, uma avaliação mal feita no programa de Produtividade em Pesquisa coloca o pesquisador totalmente fora de uma série de serviços e financiamentos. Ele ou ela terá dificuldade em fazer um pós-doutorado no exterior, não poderá concorrer ao programa de iniciação cientifica do CNPq, não tem grandes chances em muitos cargos e uma chance reduzida em editais de pesquisa.

Torna-se urgente, nesse sentido, que os problemas de avaliação, principalmente da Bolsa Pesquisa e do Qualis sejam debatidos e solucionados.

Esse contexto, portanto, me traz ao ponto do presente artigo. Não satisfeito com os pareceres extremamente mal elaborados que tenho recebido (em muitas instâncias, mas nesse caso específico) do programa de Bolsa Pesquisa, resolvi solicitar uma justificativa.

Protocolei um recurso em 19 de janeiro de 2007 e recebi a resposta agora dia 1 de novembro. É um tempo longo demais de espera, mas a vinda de uma resposta pelo menos sinaliza a tentativa do CNPq de cumprir suas metas de transparência no que tange à tramitação desses processos. O parecer, contudo, é de um baixo nível intelectual flagrante.

O recurso submetido foi o seguinte:

"Recebi, do CNPq, em 16 de janeiro do corrente ano, a seguinte mensagem, relativa à minha solicitação de Bolsa Pesquisa: â??Comunicamos que, com base na análise do Comitê LL - Letras e Lingüística, e de acordo com o estabelecido no Produtividade em Pesquisa - PQ - 2006, sua solicitação foi indeferida conforme justificativa abaixo: A solicitação teve mérito reconhecido. No entanto, na análise comparativa com as demais propostas submetidas ao CNPq, o seu pedido não alcançou classificação que permitisse o atendimento?â?? Entendo que esse tipo de justificativa é demasiadamente vaga, não me permitindo: 1) aprimorar o projeto para futuros pleitos; e nem 2) entender e questionar o processo. Ao dizer que o projeto apresenta mérito, o parecerista precisa, a meu ver, deixar claro em que consiste esse mérito e o quanto ele possibilita ou não uma aproximação do resultado ideal (ser classificado no programa Produtividade em Pesquisa). O mesmo se aplica ao trecho que vem a seguir no parecer. Se meu pedido â??não alcançou classificação que permitisse o atendimentoâ?? é preciso dizer em que sentido se deve ler a expressão â??não alcançouâ??. Gostaria de saber, nesse ranking de projetos, em que posição minha proposta ficou e por que foi classificada em tal posição. Essa é minha quarta tentativa de entrar no programa de Produtividade em Pesquisa. Em outras vezes, já recebi justificativas vagas, mas dessa vez decidi questionar o fato. Não é justo que o cidadão empenhe tempo para realizar uma tarefa tão complexa e trabalhosa (como submeter uma proposta ao CNPq) e receba apenas algumas linhas que não comprovam sequer ter havido uma leitura do projeto. Esse tipo de parecer certamente compromete a seriedade e mesmo a idoneidade dessa agência. Sendo assim, solicito uma justificativa mais fundamentada que me permita, se for o caso, recorrer da decisão tomada pela comissão."

Note-se que estou fazendo duas solicitações: 1) explicar o que significa "ter mérito" e 2) o que se pode entender pela expressão "não alcançou classificação". A resposta recebida, que não responde nem de longe essas indagações, é a seguinte:

"Informamos que a Comissão Permanente de Avaliação de Recursos do CNPq (COPAR), após análise e julgamento do seu recurso, decidiu pelo indeferimento, com base no seguinte parecer: â??O CA-LL decidiu não acatar o pedido de reconsideração e reitera a avaliação da proposta já divulgada. Essa decisão está baseada nos critérios que nortearam as decisões tomadas durante a reunião, explicitadas a seguir. Uma vez que todos os pedidos submetidos são considerados, pelo CNPq, novas solicitações, não havendo mais a situação de renovação de bolsa, decidimos fazer uma minuciosa análise comparativa de todas as propostas submetidas com parecer de mérito favorável atribuído tanto pelos assessores ad hoc, quanto pela equipe técnica, levando em consideração a produtividade do pesquisador, quantitativa e qualitativamente, a sua experiência na formação de novos pesquisadores e a qualidade do projeto apresentado. Cabe lembrar que as informações sobre a produtividade do pesquisador foram retiradas do que o CNPq chamou de Lattes congelado, ou seja, o Lattes de cada pesquisador com as informações fornecidas por ocasião da elaboração das planilhas pelo CNPq. Atualizações posteriores a essa data, mesmo que relevantes para o processo de avaliação pelo CA, não puderam ser levadas em consideração. Esse método de trabalho permitiu uma classificação de grupos de propostas: grupo de propostas com características compatíveis para cada um dos níveis de bolsistas de produtividade e propostas que, embora com mérito, não atingiram o nível de prioridade das propostas classificadas para a obtenção de uma bolsa, caso este em que se inclui a proposta da pesquisadora.â?? A Diretoria Executiva homologou o parecer da COPAR."

Nisso tudo, recebi a mesma resposta do parecer questionado ("embora com mérito, não atingiu o nível de prioridade das propostas classificadas").

Esse último parecer se refere a "mérito" em termos de três quesitos: produtividade, capacidade de formação de novos pesquisadores e qualidade do projeto. Com relação à "produtividade", fiz uma varredura nos Lattes dos lingüistas agraciados com a Bolsa Pesquisa no nível 2, ao qual supostamente eu estaria concorrendo.

Considerei os cinco anos anteriores ao pedido da bolsa (2000-2005) e me ative aos dados relativos ao quantificador 1 da Capes (artigos, livros, etc.). Encontrei, nos Lattes dos 66 bolsistas em nível 2, uma incrível variação na produtividade, que vai de 5 a 43 itens: 10 pesquisadores apresentam de 5 a 9 itens; 37, de 10 a 19 itens; 13, de 20 a 29 itens; 4, de 30 a 39 itens; e apenas um com 43 itens.

O dado mais interessante é que, como meu currículo contava 18 itens, 43 bolsistas (65% desse conjunto de 66) apresentam produção inferior à minha no período. Pode-se fazer, nesse caso, duas perguntas: 1) Em um escala tão ampla de variação da produtividade, o que significa "produtividade em pesquisa" para o comitê da área de Letras-Lingüística? 2) O que um pesquisador teria de tão excepcional em sua produção para, com apenas 5 ou 6 itens (caso dos menos produtivos), terem seus trabalhos melhor classificados do que o meu (com 18 itens)?

A primeira questão realmente eu não tenho como responder, pois os critérios do comitê LL não são suficientemente claros para tanto. Não são claros nem para mim, nem para os avaliadores dos projetos submetidos. O comitê está, desse modo, concedendo bolsas de Produtividade em Pesquisa sem ter clareza do que seja de fato "produtividade". Isso pode ser visto, no mínimo, como um dado irônico.

Quanto à segunda pergunta, analisei os Lattes desses dois pesquisadores menos produtivos e, como esperado, não encontrei nada de muito impressionante na produção de ambos. Nenhum deles tem sequer um texto em uma publicação internacional de ponta ou algo do gênero, por exemplo; pelo contrário, dos poucos artigos apresentados, dois deles ainda foram publicados um em uma revista sem qualis e outro em uma revista qualificada como nacional C.

Que tipo de avaliação se faz nesse comitê, então? O fato de que 10 dos agraciados publicaram menos de 10 itens no quantificador 1 em 5 anos (ou seja, menos de 2 itens por ano) possibilita inferir que se trata de uma avaliação bastante intuitiva e, até mesmo, pautada por relações pessoais e de coleguismo.

No que diz respeito ao segundo critério (a capacidade de formação de novos pesquisadores), o que se pode afirmar de imediato é que se trata de um parâmetro quase infantil, pelo menos do modo como está textualizado. Um critério tão perigoso, com tantas saídas para subjetividade, deveria ter um texto bem mais denso e minucioso.

Cada doutor que concorre a essa bolsa somente pode formar profissionais de pesquisa dentro das condições em que está posto, e essas condições devem ser observadas. Um pesquisador atuando, por exemplo, em uma Universidade que somente tem o curso de mestrado (e esse é o meu caso) não pode formar doutores e, nesse sentido, é apenas a formação de mestres e graduandos de iniciação científica que deve ser considerada.

Estou autorizado, contudo, a acreditar que isso foi observado quando da avaliação de meu projeto? Não. Mesmo porque, só aí, o meu processo já teria dois itens que justificariam a sua aprovação, mas ele não foi aprovado.

Em termos do terceiro critério (a qualidade do projeto), vai aí uma boa parcela de subjetividade, mais isso não é desculpa, de modo algum, para que o avaliador não retorne um parecer sério, entendendo-se por "sério" um mínimo de fundamentação, de argumentos.

O projeto que foi submetido pode até ser entendido pelo avaliador como tendo qualidade baixa. Esse mesmo projeto, contudo, recebeu financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Fapesc) a partir de concorrência com inúmeros outros projetos, recebeu uma bolsa de iniciação científica dessa mesma agência, também a partir de concorrência em edital, e teve uma comunicação aceita, mediante avaliação de pares, para apresentação em um congresso internacional (o da Associação Internacional de Lingüística Aplicada - AILA) que irá acontecer na Alemanha no ano que vem. Se o projeto apresenta qualidade tão baixa, por que os pares o aprovaram em outras instituições também bastante renomadas?

Ao levantar a produtividade dos bolsistas de nível 2, me deparei com outros dados que merecem ser mencionados, quais sejam:
- No total, existem 157 Bolsas Pesquisa em lingüística (sendo que outro tanto das bolsas desse comitê é destinado à literatura).
- Desse montante de 157, apenas 15% delas (24 bolsas) foram concedidas a pesquisadores de Universidades privadas, embora 23% dos programas (24 em um montante de 103) estejam alocados nessas instituições.
- É interessante notar também que apenas 5 bolsas das 24 voltadas ao setor privado não foram concedidas a pesquisadores das PUCs. Ou seja, as PUCs representam 25% do total dos programas em Universidades privadas (6 em 24), mas recebem 79.1% do total das bolsas destinadas a essa categoria (19 em 24).
- Os programas que não estão alocados nem em Universidades públicas nem em PUCs representam 16.5% do total (17 em 103), mas recebem apenas 3% das bolsas (5 em 157). Além disso, dessas cinco bolsas, apenas duas (1.2% de 157) não foram concedidas a professores aposentados de Universidades públicas que migraram para o setor privado. A conclusão óbvia é a de que, por mais que produza, um pesquisador não pertencente a uma Universidade pública ou a uma privada do tipo PUC tem chances mínimas de ser beneficiado com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa.

Há, nesses dados, claramente um privilégio das Universidades públicas, seja em virtude da subjetividade desregrada que permeia a avaliação, seja por corporativismo mesmo. A questão é que, ao reler as normas do comitê LL, me deparei com o critério de que o candidato à Bolsa Pesquisa deve ter: "Atuação em programas de graduação e pós-graduação em instituições de ensino superior ou de pesquisa de reconhecimento nacional e internacional".

Eu não lembrava desse critério, e ele deve de fato ser dos últimos 2 ou 3 anos, mas nesse momento me ficou completamente claro que há aí uma espécie de "reserva de mercado". Por esse critério, pesquisadores como eu, que trabalham em instituições menores, certamente já têm suas solicitações eliminadas na base. É um absurdo, mas, lendo esse critério e analisando o parecer recebido, só posso concluir que meu projeto não foi sequer lido.

Embora esteja aqui utilizando números de produtividade em minha argumentação, isso não significa que eu acredite que a quantidade por si só possa ser traduzida em qualidade. Esses dados são simplesmente para mostrar como a avaliação no comitê LL tem sido díspar e inconseqüente.

É claro que 43 itens de produção no quantificador 1 em cinco anos já chega a ser um exagero, mas, por outro lado, dizer que uma produção de cinco itens em cinco anos é um diferencial merecedor da honraria mais relevante na área de ciência no país também já é uma extrapolação inaceitável.

As considerações que teço aqui tomam como objeto a área de Letras e Lingüística, que tem revelado, nessas avaliações, um completo despreparo. Pode ser que isso não se estenda às demais áreas, mas, quando a COPAR endossa um parecer tão fraco, fica a dúvida se a regra não é geral.

Diante do quadro exposto acima, quero frisar, para concluir, que não estou questionando aqui exatamente o fato de o meu projeto não ter sido aprovado no programa de Bolsa Pesquisa, embora haja razões para isso, uma vez que perdi o prazo do edital agora em agosto em função de ainda não ter recebido a resposta ao recurso impetrado nos primeiros dias do ano.

O que não concordo, em essência, é que, após um esforço significativo para submeter um projeto, ele seja classificado de qualquer modo (sem critérios realmente plausíveis) e me seja dado um parecer que não permite questionar absolutamente nada, uma vez que ele não diz qualquer coisa que possa ser compreendida.

Como houve perguntas, mas não houve respostas, ainda espero que o bom senso se faça e o CNPq e o comitê LL me encaminhem a lista com todos os projetos aprovados e, portanto, a classificação de meu projeto nessa lista. Do mesmo modo, ainda espero também uma justificativa convincente de ter havido uma leitura séria do projeto por um pesquisador preparado para isso.
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=52416