Como se proteger contra o assédio moral e sexual na universidade? Processo de investigação contra dois professores da UEM (Universidade Estadual de Maringá) gerou manifestação de estudantes. Na UEL (Universidade Estadual de Londrina), o tema é discutido entre coletivos feministas, comissões de centro e do Sebec (Serviço de Bem-Estar à Comunidade).
Segundo a Constituição, "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual" é crime. A Lei 10.224/2001 acrescenta ainda que "o agente se prevalece da condição de superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função". Em pesquisa da ActionAid realizada em 2016, 86% das brasileiras entrevistadas disseram ter sofrido assédio em espaços urbanos. Entre as 503 mulheres entrevistadas, todas as estudantes afirmaram terem sido assediadas.
Neste contexto, está a UEM, que investiga dois professores por suspeita de assédio. A apuração segue em sigilo. Enquanto isso, a comunidade universitária se movimenta para debater o assunto, promovendo a conscientização para evitar que o constrangimento mantenha o silêncio das vítimas. Seguindo essa linha, duas acadêmicas do departamento de história da UEM promoveram mostra fotográfica em que as vítimas seguravam placas com mensagens expondo casos de assédio.
"O projeto surgiu no intuito de dar voz às meninas que passavam por situações de assédio dentro da universidade. Ouvimos esses relatos nas conversas cotidianas, visto que as meninas são colegas da universidade, e a partir disso sentimos uma necessidade de fazer algo a respeito", contam Júlia Sincero e Ana Carolina Paes, idealizadoras da mostra "Professor abusador: assédio e violência de gênero das universidades", apresentada recentemente no evento 13º Mundo de Mulheres e Fazendo Gênero 11, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Com o trabalho, as alunas receberam o prêmio de 3º lugar na categoria.
"É assédio quando ele oferece projeto de pesquisa em troca de sexo", "É assédio quando ele diz que mulher na universidade é desperdício" e "É assédio quando silenciam suas denúncias" são exemplos de frases expostas pelas vítimas. Segundo as idealizadoras do projeto, o assunto é delicado, pois muitas vítimas são convencidas de que os casos foram acidentais, consensuais ou fruto de mal-entendidos. "As denúncias dos casos de assédio raramente são incentivadas, inclusive, em alguns casos, os próprios departamentos que deveriam acolher as vítimas acabam por silenciar essas denúncias", expõem as estudantes.
Entre as intimidações e denúncias efetivas, algumas buscaram apoio do Numap (Núcleo de Extensão sobre a Lei Maria da Penha), oferecido pela universidade e que atende também a comunidade externa. O objetivo é suprir a demanda da cidade. "As mulheres vêm por encaminhamento de outros órgãos da rede. Primeiro elas vão ver a questão criminal e narram que têm questões cíveis pendentes e então são encaminhadas ao Numap", afirma Marília Ferruzzi, advogada do núcleo.
O projeto atende mulheres que não têm condições de pagar os custos do processo, inclusive alunas da instituição. "A gente começou atendendo pessoas que relatam que sofrem violência nas dependências da universidade em âmbitos que estejam relacionados à instituição", explica. Em 2016, foram dez atendimentos de violência no ambiente acadêmico e seis neste ano.
Na UEL, o Numap é um núcleo que faz parte do EAAJ e busca atender mulheres que sofrem violência doméstica, por isso não atendem casos de assédio dentro da universidade. No entanto, há serviços oferecidos pelo Sebec, que trabalha junto da ouvidoria, e podem contar com apoio extraoficiais, como a Comissão de Prevenção à Violência e coletivos feministas.
Serviços da UEL buscam apoiar vítimas
Na falta de proteção, muitas vítimas acabam não denunciando casos de assédio moral e sexual na universidade. Por conta disso, a comunidade universitária se mobiliza para evitar o constrangimento e encorajar as denúncias. A iniciativa parte da própria instituição, de servidores, professores e estudantes sensibilizados.
Ana Bertoluci participa do "Mietta Santiago – Coletivo de Mulheres do Direito UEL", que promove atividades em defesa das mulheres. Segundo a estudante, além de projetos de rotina, o grupo também atua conforme chegam as denúncias. "Nós utilizamos meios formais de reação, que geralmente acontecem por intermédio do Centro Acadêmico ou da Ouvidoria, ou meios informais, que acabam sendo ações diretas, como protestos, cartazes etc.", explica a aluna da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
Da mesma forma atua o "Juremah – Jornalistas Unidas na Resistência Contra o Machismo e Hegemonia – UEL". "A gente se mobiliza para que o enfrentamento não seja individual até para não haver uma perseguição", conta Pamela Oliveira, integrante do Coletivo, acrescentando que houve casos de denúncias não atendidas e que o fato não é exclusividade dos cursos de Comunicação, faltando apoio também em outros departamentos.
O procedimento de quem sofre assédio no interior da universidade é fazer a denúncia na Ouvidoria. "São muitos casos e poucas denúncias, porque as pessoas têm medo de vir aqui e denunciar. Às vezes elas contam o caso, mas não apontam o autor", explica Teodósio Silva, ouvidor geral. No entanto, Silva explica que a denúncia pode ser anônima e que o procedimento é abrir sindicância para investigar o caso. A pena pode ser de uma simples advertência à exoneração do cargo ou expulsão (em caso de alunos).
Reconhecendo o silêncio, o Sebec (Serviço de Bem-Estar à Comunidade) atende essa demanda com atendimento psicológico e serviço social. Carla Pagnossim é psicóloga e revela que foi preciso mudar a estratégia. "A gente sabe o quanto há de pressão social para manter o silêncio e a gente respeita o tempo da pessoa. Agora, nós decidimos mudar a estratégia e sermos mais assertivos, fazendo as pontes com as comissões do centro em que a aluna pertence. Quando não há essa comissão, nós participamos das reuniões junto da ouvidoria e acompanhamos o processo, não apenas indicamos os caminhos", explica.
Uma das ações citadas pela psicóloga é a Comissão de Prevenção à Violência do CLCH (Centro de Letras e Ciências Humanas), organizado pela professora Edmeia Aparecida Ribeiro. "Além das denúncias de assédio, tinha a questão do leilão das calouras com conotação sexual, exposição e constrangimento", explica a professora. A comissão é formada por professores, servidores e alunos. "Às vezes o assédio não é percebido, está muito naturalizado, as pessoas se sentem incomodadas, mas não percebem como forma de violência", argumenta.
O grupo iniciou as atividades em 2017, promovendo ações que quebrem o ciclo do silêncio. "As meninas ainda se sentem culpadas por terem sido assediadas. É uma questão muito comum nas pessoas que sofrem algum tipo de violência. Como é uma violência que chegou às vias de fato, as pessoas não sabem que podem denunciar", afirma Ribeiro.
A união no interior da academia pode ser o caminho de prevenção contra o assédio nas universidades, mas ainda falta muito para acabar com o silêncio. Por enquanto, a comunidade se mobiliza para que esse tipo de violência seja cada vez menos recorrente. A Comissão possui uma página no Facebook (Violência, Eu vou Te Expor) divulgando as ações e promovendo debate sobre o assunto.(L.T.)
Fonte: Folha de Londrina