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A ciência "é a primeira a ser cortada", diz presidente do CNPq

21 de Agosto de 2017 às 09:14:52

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) divulgou recentemente que atingiu o teto orçamentário e só conseguirá manter o financiamento de pesquisas no país até setembro.


O maior centro de financiamento da ciência no país tinha um orçamento previsto de 1,3 bilhão para 2017. Em abril, o governo federal anunciou, porém, um contingenciamento de 44%, o que impediu a injeção de 572 milhões de reais na área.


Desde 2015, o orçamento da autarquia começou a diminuir. Hoje, o CNPq precisa de 405 milhões de reais para fechar as contas até o fim do ano.


No Brasil, para cada 1 milhão de pessoas, apenas 700 são cientistas. Enquanto a média na Europa beira a 7.000 cientistas na mesma quantidade, dez vezes mais.


Durante a crise de 2008, países como Coreia do Sul, Estados Unidos, China e a União Europeia passaram a investir mais em ciência e tecnologia, chegando a atingir 4% do PIB.


No Brasil, Michel Temer segue na direção oposta. Ao assumir, em 2016, o peemedebistajuntou o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações com o das Comunicações, uma mostra da menor prioridade da área em seu governo. Em seguida, vieram os cortes. O Ministério já chegou a ter um orçamento anual de 10 bilhões de reais. Começou com 7 bilhões, mas após os sucessivos contingenciamentos, gira em torno de apenas 2,5 bilhões atualmente.


Em entrevista a CartaCapital, o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, atribui o contingenciamento à falta de prioridade dada à ciência no país, principalmente em tempos de crise. “Ciência ainda não é um valor para a sociedade brasileira”, afirmou.


CartaCapital: Como é composto o orçamento do CNPq? Do orçamento previsto para 2017, quanto já foi liberado ?
Mario Neto Borges: O orçamento do CNPq é composto por duas fontes. O orçamento do Tesouro Nacional, aprovado no Congresso Nacional todo ano. Para 2017, foi cerca de 1,3 bilhão de reais. E o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT. Este com uma previsão inicial de 400 milhões de reais para 2017. Portanto, a soma total é 1,7 bilhão de reais.


Até agora foram executados 673 milhões de reais do Tesouro Nacional e 67 milhões de reais do FNDCT, isso até a segunda semana de agosto.


CC: O senhor afirmou que o CNPq tinha recursos para financiar as bolsas até o fim de setembro. É isso mesmo?
MB: Quando nós identificamos essa situação, marcamos uma reunião com o ministro Gilberto Kassab. Onde apresentamos o quadro e conseguimos uma liberação de 100 milhões de reais. Isso assegura que até o fim de setembro estaremos tranquilos em relação ao cumprimento do nosso compromisso.


CC: Então se o CNPq precisava de 505 milhões de reais para fechar o ano, com o descontingenciamento agora são necessários 405 milhões de reais?
MB: Exatamente.


CC: E como foi nos anos anteriores? O senhor já fez a comparação?
MB: O ano passado o orçamento aprovado era de 1,4 bilhão de reais, uma soma do Tesouro Nacional e do FNDCT. Mas nós conseguimos executar, por conta do recurso da repatriação de bens que brasileiros tinham no exterior, 1,9 bilhão de reais. Do imposto da repatriação, 500 milhões de reais foram destinados ao CNPq.


Com a entrada desse recurso, pagamos vários compromissos de anos anteriores. O problema foi o contingenciamento em massa de 44% em todos os ministérios no primeiro semestre. Até o início de agosto tínhamos executado 52%. Então só sobra 4%, não dá para fazer o próximo pagamento.


Mas a conversa com o ministro nos antecipou 100 milhões de reais garantindo o andamento do mês de setembro. Não há perigo de corte nenhum, até porque ontem houve a ampliação do valor da meta do déficit de 139 bilhões e para 159 bilhões. O dinheiro do CNPq está aí dentro.


Com essa ampliação, provavelmente fecharemos o ano tranquilo. Essa é a nossa expectativa e o que está negociado com o ministro Kassab e com a área econômica. 



Em 2016 o orçamento previsto foi de aproximadamente 1,4 bilhão de reais, mas com a repatriação de bens se executou quase 1,9 bilhão de reais 


 


CC: Caso o CNPq não consiga garantir o financiamento das bolsas a partir de outubro, quantas bolsas estariam em risco? Já existe algum critério para a hipótese de cortes?
MB: São 100 mil bolsas em risco. Não há nenhuma intenção de cortar bolsa. Aqui corta a cabeça do presidente, mas não corta bolsa. Eu fui bolsista, fiz doutorado no exterior e sei qual é a importância da bolsa para o pesquisador e o país. É um drama gigantesco não só pela possibilidade do interrompimento de um projeto, mas também para o próprio país, investidor de um projetos que não podem ser jogados fora.


CC: Projetos grandes como a construção do acelerador de partículas também estão em risco?
MB: Para o projeto do acelerador de partículas, o ministro já conseguiu a liberação de 700 milhões de reais. Está seguindo o fluxo normal e com as atividades asseguradas para esse ano.


CC: Em um histórico recente do CNPq, existe algum outro momento parecido com o atual?
MB: O pior problema foi de 2015 para 2016, até chegar o dinheiro da repatriação. Foi quando a crise estava muito forte e o CNPq chegou a cortar bolsas, inclusive bolsas de iniciação científica, cerca de 20%. Também chegou a suspender chamadas de bolsas para o exterior.


CC: Quais são as consequências desses cortes a médio e longo prazo?
MB: Se os cortes acontecem, é porque até agora estamos conseguindo evitar, tem esse drama dos bolsistas interrompendo a formação e os projetos de pesquisa. Não é uma obra física que para mas depois continua. Uma pesquisa científica desaparece. A longo prazo, o Brasil não conseguirá atingir o nível de desenvolvimento, garantir a competitividade no cenário mundial e nem se transformar numa potência não só econômica mas também científica, cultural e social. O perigo é que nós nos transformemos num país velho e pobre.


CC: A que o senhor atribui esse contingenciamento?
MB: Esse contingenciamento é resultado da crise econômica nesses dois anos. Como consequência, não se dá prioridade à ciência. Em campanhas políticas, só se fala em educação, saúde e segurança pública. Ninguém fala em ciência. Como não é um valor, é a primeira coisa a ser cortada.


Certamente estaremos lutando com todas as forças para assegurar que o funcionamento seja garantido até o fim do ano.


CC: No Brasil, existem 700 pesquisadores para cada 1 milhão de habitantes. Por que o País forma poucos cientistas?
MB: Ainda estamos muito longe de um padrão de país desenvolvido, que chega a ter por volta de 6000 cientistas para cada um milhão de pessoas. Isso porque o país começou muito tarde os investimentos em ciência, tecnologia e inovação. As principais agências que formam pesquisadores no país têm 66 anos.


Mas se você verificar o crescimento do número de mestres e doutores formados no Brasil, o salto é exponencial. Hoje nós estamos formando cerca de 18 mil doutores por ano e quase 40 mil mestres por ano. Isso realmente vai nos levar a uma posição melhor. A causa principal ainda é ter demorado para começar os investimentos estratégicos, ou seja, a formação do pesquisador e o apoio para o desenvolvimento de pesquisas.


CC: Quais políticas públicas deveriam ser realizadas para mudar esse quadro?
MB: Propusemos no Conselho de Ciência de Tecnologia e Inovação o aumento do PIB em investimento de 1% para 2%. Uma parte será investimento público e outra recurso privado.


Nós trabalhamos no Novo Marco Legal conhecido como Código da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em janeiro do ano passado. No entanto, tiveram oito vetos que precisam ser derrubados e ainda está em fase de regulamentação. Diminuir a burocracia e ter um marco legal para Ciência, Tecnologia e Inovação é essencial para ciência brasileira se desenvolver.


O terceiro pilar é a formação de recursos humanos qualificados. Essas são as três políticas públicas que precisam de todo o apoio do governo, dos políticos e da sociedade.


CC: Como surgem esses vetos?


MB: Essa é a Lei 13.243, sancionada em 11 de janeiro de 2016. Foi um trabalho de 5 anos no Congresso Nacional, um consenso incrível porque foi aprovada com unanimidade na Câmara e no Senado, é uma coisa muito especial. Na hora da ex-presidente Dilma Rousseff sancionar, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda sugeriram oito vetos, focados na parte de relacionamento com a academia e a empresa.


Então, por exemplo, a nova lei criava a bolsa para a inovação. Como tem a bolsa para a pesquisa e a bolsa de estudo, teria a bolsa para inovação, ou seja, o pesquisador trabalhando em empresas com bolsa. A Receita Federal achou que isso era abrir mão de receita e sugeriu os vetos. São coisas dessa natureza entre os vetos que foram publicados e precisam ser derrubados. Vamos continuar remando.


CC: Não é essencial investir mais em ciência, tecnologia e informação para alavancar o desenvolvimento econômico e o país sair da crise?
MB: Exatamente. Na crise de 2008, os países aumentaram os investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Nós continuamos no mesmo percentual, em torno de 1% do PIB. As pessoas ainda não perceberam os investimentos em ciência, tecnologia e inovação como o caminho para o desenvolvimento sustentável de longo prazo para o país. É o desenvolvimento que gera riqueza, dá competitividade às empresas, qualifica os pesquisadores. Nem os políticos e a sociedade perceberam isso. É a famosa frase "a ciência ainda não é um valor para a sociedade brasileira".


CC: Alguns cientistas até cogitaram construir um partido político tendo como presidente da entidade a Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader.
MB: Mas ela mesmo já descartou essa hipótese. Porque a ciência viraria uma posição corporativa ao passo que deve ser uma pauta de todos os partidos, assim como foi. Nós conseguimos o Código da Ciência, Tecnologia e Inovação.


Uma das alternativas para avançar nesses anos em que o teto orçamentário está estabelecido, em vias constitucionais do limite do teto orçamentário, é trabalhar para o descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e transformá-lo em um fundo financeiro. Em 2013, chegou a 700 milhões.


 


 


Fonte: Carta Capital