“Todos os hospitais universitários estão em crise”, afirma médica sanitarista
26 de Junho de 2017 às 08:40:06Indicada em maio de 2016 pela reitora da Universidade Federal de Alagoas, Maria Valéria Costa Correia, Fátima Siliansky foi diretoria do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes até ser exonerada há duas semanas.
A pesquisadora na área de Saúde Pública, médica e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi retirada do cargo após tecer críticas à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), responsável pela gestão de 39 hospitais universitários federais.
Em entrevista ao Saúde Popular, Fátima explica o comentário que para ela gerou desconforto e sua exoneração. A médica afirmou que “caso houvesse a extinção da EBSERH, não aconteceria nada que o departamento de hospitais universitários do MEC não pudesse fazer”.
Sem apontar o motivo exato da exoneração, em nota enviada por meio da assessoria de imprensa, a EBSERH afirmou que Siliansky foi exonerada do cargo “em razão de atitudes contrárias às previstas no Regulamento de Pessoal da EBSERH.” A empresa disse ainda que a exoneração “não interferiu na autonomia universitária da UFAL [Universidade Federal do Alagoas]”.
No último dia 13, a reitora da universidade indicou Regina Maria dos Santos para assumir a superintendência do Hospital Universitário. A nomeação da nova superintendente foi realizada pelo presidente da EBSERH, Kleber Morais, na mesma semana, e ela já assumiu o cargo.
Leia a entrevista com Fátima sobre a situação dos hospitais universitários.
Saúde Popular: Quais eram as principais críticas que os trabalhadores tinham à EBSERH que foram base para sua fala na câmara dos deputados?
Fátima Siliansky: Quando assumimos, em maio de 2016, o hospital universitário da UFAL já tinha um contrato de gestão com a EBSERH. Os trabalhadores sempre fizeram muitas críticas à empresa. O motivo de insatisfação parte do estilo de gestão autoritária. Antes da nossa posse em 2016, o hospital há cerca de 10 anos estava nas mãos do mesmo grupo político que usava o local com finalidades políticas partidárias, ou seja, o acesso ao hospital era facilitado se as pessoas fossem ligadas a políticos. Quando, em 2014, a EBSERH entra, ela não só não resolve, como agrava esses problemas. Seu sistema único de gestão afeta a autonomia universitária, além de ter aspectos empresariais que refletiram dentro do Hospital de Alagoas por meio da avaliação de desempenho por metas quantitativas que não consideram que lá é um hospital de ensino, ou seja, tem uma produtividade menor.
Os estudantes também manifestaram discordâncias com a gestão da EBSERH?
Sim, por meio de conversas com os centros acadêmicos os estudantes verbalizaram que se sentiam escanteados no momento da distribuição dos profissionais dos ambulatórios, por exemplo. Eles ficavam sempre por último. Além disso, as instâncias de participação foram reduzidas. O Conselho do Hospital não foi organizado e perdeu a participação dos estudantes e trabalhadores de todos os vínculos.
Qual foi a postura da reitoria e sua própria quando assumiram?
Quando entramos sabíamos que teríamos que construir uma forma de questionar esses pontos em nome da autonomia universitária e da característica de ensino do hospital. Procuramos elaborar propostas no sentido de ter outra forma de gestão.
O problema principal é a falta de recurso?
Sim, houve congelamento em 2017 dos recursos do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF ) vindos tanto do Ministro da Educação (MEC), quanto do Ministério da Saúde (MS). Até agora os recursos do MEC não foram liberados e parte do MS chegou depois de 4 meses de espera. A EBSERH não cumpriu o contrato em relação aos recursos humanos e o hospital ficou muito fragilizado por essa insuficiência. Uma coisa é falta de recursos em uma universidade. Ou seja, bolsas vão diminuir, o apoio à pesquisa caí, pode faltar material. Questões que afetam a comunidade universitária, mas podem ser recuperadas. Outra coisa é isso acontecer dentro de um hospital, o que implica a morte de pacientes e fechamento de serviços. Nós solicitamos, em maio, que a empresa tivesse políticas emergenciais para contornar redução de pessoal e recebi um memorando dizendo que não tinham como acatar nenhuma das propostas para suprir essas necessidades. Nas entrelinhas, propuseram que eu reduzisse gastos e fechasse o serviço.
Esse processo fere a autonomia universitária?
Sem dúvidas. O que estamos passando aqui em Alagoas, todos os hospitais estão passando. Muitos fecharam serviços, não atendem mais emergência. O hospital universitário não deve ser um instrumento de ajuste fiscal. A falta de recurso do governo federal afeta o ensino e a pesquisa. Governo e EBSERH culpam a crise econômica e não se mostram dispostos a resolver o problema. Contrariamente a direção da EBSERH, eu não naturalizo a crise. Ela não pode ser desculpa. É, sim, uma opção política de atingir políticas públicas e manter subsídios para grandes empresas e juros altos que fazem com que 55% do orçamento público vá parar nas mãos de banqueiros. A exoneração, sem discussão prévia, junto à reitora da UFAL que me indicou é uma grave afronta a liberdade de expressão e a autonomia universitária, que são próprios do Estado democrático de direito.
Qual foi o mote central da sua fala que levou à sua exoneração uma semana depois?
Acho importante pontuar que eu sou pesquisadora de políticas para a Saúde, minha fala foi a de alguém que se debruça a estudar o tema. Eu afirmei que a EBSERH não é necessária, que não tem trazido nenhum elemento novo que o MEC não pudesse fazer. A empresa é um exemplo da privatização da administração pública que abre possibilidades de abertura de capital.. Seu sistema único de gestão é um risco que afeta a autonomia universitária. Assim, minha posição teórica, que não apresenta consequência prática imediata de nenhuma ordem, do dia para a noite, virou uma ameaça à EBSERH nacional. Começaram a encabeçar uma grande campanha pela minha saída. Uma total falta de compreensão da convivência com a alteridade necessária ao ambiente universitário e à liberdade de expressão. Sem a última, aliás, a ciência não avança e estamos falando de ciências sociais aplicadas, de modelos de gestão.
Qual é a condição do hospital universitário de Alagoas hoje do ponto de vista político?
Ele está sob grave risco de intervenção pautada pelo caráter empresarial e articulado com interesses ligados ao coronelismo de Alagoas, a utilização político partidária, ao autoritarismo das metas quantitativas e sem gestão democrática. Há uma situação de truculência da EBSERH em cima da reitoria para impor sua disciplina empresarial. Fui exonerada porque vim a público, escolhi falar. Eles querem maquiar a situação dos hospitais universitários, passando a ideia de que está tudo bem. Não está. Todos os hospitais universitários estão em crise.
Fonte: Brasil de Fato