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Reforma da Previdência prejudicará acesso da mulher trabalhadora ao benefício, alerta pesquisadora do IPEA

11 de Março de 2017 às 23:19:58

A reforma da Previdência apresentada pelo governo como Proposta de Emenda à Constituição atingirá a todos os trabalhadores negativamente, sobretudo, as mulheres. Essa medida prevê igualar a idade mínima entre homens e mulheres em 65 anos para a aposentadoria; aumenta o tempo de contribuição das mulheres para se aposentar por tempo de serviço, de 15 anos para 25 anos, com o pretexto de que as mulheres estão conquistando direitos iguais no mundo do trabalho.


 


Para desmontar essa argumentação, a técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Joana Mostafa cedeu entrevista à CSP-Conlutas em que elencou os motivos pelos quais as mulheres ainda precisam, sim, que o benefício previdenciário seja concedido de forma diferenciada, pois os direitos das mulheres no mundo do trabalho ainda são desiguais comparados aos dos homens. “O argumento se baseia no vagaroso e secular aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e no aumento de seus rendimentos frente ao dos homens. Só que ainda temos só 57% das mulheres em idade ativa no mercado de trabalho, enquanto isso 80% são de homens”, reforça.


 



 


A pesquisadora desmonta o argumento do governo, que em sua opinião “é ruim e incompleto porque as mulheres ainda fazem a grande maioria do trabalho de afazeres domésticos e de cuidadora da família. 90% das mulheres fazem algum afazer doméstico enquanto só 50% dos homens declaram fazê-lo, de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Assim, dentre a população que trabalha no mercado de trabalho, as mulheres fazem 20 horas de afazeres domésticos por semana, enquanto os homens fazem em média 5 horas”.


 


Joana criticou também a tentativa de parlamentares em diferenciar a garantia do beneficio entre mulheres, prevendo um regime mais brando para as casadas e com filhos. “O mercado precifica de antemão e pratica a desigualdade de gênero para todas as mulheres, casadas ou não, com filhos ou não. (…) A definição do preconceito é justamente essa, não importa se efetivamente a jovem tenha evoluído para ser mãe e depois cuidadora de idosos, a sua vida toda foi marcada por essa expectativa, fazendo com que ela não progredisse na carreira, não ganhasse tanto quanto os seus colegas homens”, arremata.


 


De acordo com a pesquisadora, caso a reforma passe, as trabalhadoras correm o risco de não conseguir se aposentar. “Estima-se que 47,3% das mulheres contribuirão, mas não conseguirão se aposentar, pois mesmo aumentando a idade para 65 anos, a divisão sexual do trabalho e as condições do mercado de trabalho para a mulher não permitem que ela acumule 25 anos de contribuição. Será de fato a masculinização da previdência social”.]]


 


Confira a entrevista completa aqui:


 


CSP-ConlutasQuais são as condições para que as mulheres tenham acesso ao beneficio atualmente? Elas conseguem esse direito com facilidade? Há algum estudo no IPEA de gênero que aborde essa temática?


 


Joana Mostafa – Sessenta e oito por cento das mulheres que se aposentam no Brasil hoje o fazem pelo critério da idade. Então, hoje as mulheres rurais se aposentam com 55 anos, há professoras que se aposentam com 50 anos e as outras trabalhadoras urbanas que usualmente se aposentam com 60 anos passarão todas a se aposentar somente com 65 anos. Além disso, hoje as mulheres que por força da divisão sexual do trabalho não foram contribuintes da previdência têm acesso à pensão do companheiro depois de seu falecimento no valor de pelo menos um salário mínimo. 74% das pensões por morte no Brasil são pagas a mulheres, e com a reforma esse valor vai poder ser inferior a 1 salário mínimo, ou seja, não terá mais qualquer dignidade.


 


CSP-Conlutas- O governo usa como justificativa as mulheres estarem a cada dia conquistando direitos iguais no mundo do trabalho, por isso a igualdade na aposentadoria. Esse argumento tem fundamento?


 


Joana – Em parte. O argumento se baseia no vagaroso e secular aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e no aumento de seus rendimentos frente ao dos homens.  Só que ainda temos só 57% das mulheres em idade ativa no mercado de trabalho, enquanto isso estão 80% dos homens.  Quando tentam trabalhar fora, se deparam com uma recusa maior dos empregadores em aceitá-las, tendo um desemprego de 11,6% enquanto os homens sofrem apenas 7,7% de desemprego.


 


Quando enfim a mulher consegue um trabalho fora recebe, em média, 30% a menos que os homens. Isso porque o mercado precifica e pratica a desigualdade de gênero, e isso para todas as mulheres, casadas ou não, com filhos ou não.  Porque há uma expectativa de que, em algum momento, cumprirão o papel que lhes é imputado pela sociedade de cuidadoras dos filhos, do lar, dos idosos e das pessoas com deficiência.


 


Por fim, o argumento do governo é ruim e incompleto porque as mulheres ainda fazem a grande maioria do trabalho de afazeres domésticos e de cuidadora.  90% das mulheres tem algum afazer doméstico enquanto só 50% dos homens declaram fazê-lo, de acordo com a PNAD do IBGE.  Assim, dentre a população que trabalha no mercado de trabalho, as mulheres fazem 20 horas de afazeres domésticos por semana, enquanto os homens fazem em média 5 horas!


 


CSP-Conlutas- O ministro declarou em matéria reproduzida no jornal Folha de S. Paulo, de 14 de fevereiro, que “se somos [machistas], então o mundo inteiro é. A questão da igualdade de tratamento previdenciário, você vê em vários outros países”. É legitimo comparar o nosso regime com outros?


 


Joana – Que o mundo inteiro é machista não é novidade para nós, mas que bom que os nossos dirigentes estejam se dando conta disso. Os países ricos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que em sua imensa maioria igualaram as idades de aposentadoria não têm a mesma desigualdade de gênero que nós ainda temos. Para se ter ideia, ao somarmos as horas de trabalho remunerado e as horas de trabalho não remunerado das mulheres com cuidados e afazeres domésticos no Brasil, o sobretrabalho da mulher é de 8 horas semanais.  Ou seja, comparando-se só a questão da jornada dupla mesmo, as mulheres ocupadas no Brasil trabalham 8 horas por semana a mais que os homens.  Na OCDE, as mulheres trabalham apenas 3,2 horas a mais que os homens, somando trabalho remunerado e trabalho não remunerado.  Ou seja, se esse for nosso indicador sintético de desigualdade, as mulheres brasileiras sofrem 2,5 vezes mais que as dos países ricos.  Na Europa por exemplo, a taxa de desemprego é igual para homens e mulheres e os rendimentos são apenas 17% menores que os dos homens, e não 30%, como no Brasil!


 


CSP-ConlutasHá declarações feitas pelo relator da reforma da Previdência, o deputado Arthur Maia (PPS-BA) em que defende que só haja um regime de contribuição mais brando para as mulheres caso elas sejam casadas ou mães, e que irá apresentar uma emenda neste sentido de diferenciar o acesso ao beneficio entre casadas e solteiras. Essa diferenciação se fundamenta?


 


Joana – Isso é uma bobagem!  Sugiro que vá ao dicionário da língua portuguesa para ler a definição de preconceito. O mercado precifica de antemão e pratica a desigualdade de gênero para todas as mulheres, casadas ou não, com filhos ou não.  Porque há uma expectativa de que, em algum momento, cumprirão o papel que lhes é imputado pela sociedade: de cuidador dos filhos, do lar, dos idosos e das pessoas com deficiência.  Ou seja, a definição do preconceito é justamente essa, não importa se efetivamente a jovem tenha evoluído para ser mãe e depois cuidadora de idosos, a sua vida toda foi marcada por essa expectativa, fazendo com que ela não progredisse na carreira, não ganhasse tanto quanto os seus colegas homens, etc. Por fim, o número de idosos e não o número de filhos é que será o mais relevante para a carga de afazeres domésticos sobre as mulheres.


 


CSP-Conlutas- Há afirmações de que essa mudança impactará, sobretudo, às mulheres pobres e negras. Por quê?


 


Joana – Porque essas são as mulheres com maior dificuldade de permanência constante no mercado de trabalho, porque se deparam com maior rotatividade, informalidade e menores oportunidades de emprego.  É aí que os marcadores sociais de raça, gênero e classe convergem para piorar a situação das pessoas.


 


CSP-Conlutas- O governo sinalizou que pode ceder na proposta em igualar a idade mínima entre homens e mulheres em 65 anos e manter da forma como é hoje (60 para mulheres e 65 para homens). Mesmo com emendas, em sua opinião, a proposta será benéfica para as mulheres ou só maquiará outros ataques?


 


Manter a diferença de idade para aposentação entre homens e mulheres é importante, mas existe um perigo ainda maior que ronda.  Aumentar o número mínimo de anos de contribuição à previdência social de 15 anos para 25 anos afetará em cheio as mulheres. Estimamos que 47,3% das mulheres contribuirão, mas não conseguirão se aposentar, pois mesmo aumentando a idade para 65 anos, a divisão sexual do trabalho e as condições do mercado de trabalho para a mulher não permitem que ela acumule 25 anos de contribuição. Será de fato a masculinização da previdência social.