O Fim da USP
M.A. Zago e V. Agopyan elegeram-se reitor e vice-reitor, em 2013, em campanha na qual acenaram freneticamente a bandeira do “diálogo”. Mal tomaram posse e logo se viu que tal promessa não passou de ilusionismo, uma vez que a palavra “diálogo” definitivamente não consta do vocabulário dos ocupantes da Reitoria. Bem ao contrário: desde cedo, ao exercer seus poderes, a nova administração procede despoticamente, revelando-se avessa ao princípio da gestão democrática do ensino, consagrado na Constituição Federal e na LDB.
Além de autoritária, a atual gestão assumiu como tarefa transformar a universidade pública, socialmente referenciada, fomentadora do pensamento crítico, em uma “universidade empreendedora”, submetida aos interesses privados, “enxuta” e suficientemente “flexível” para contratar e demitir quando necessário, além de eliminar “parasitas” como o HU e as creches.
Esse projeto político transpareceu nas tristemente famosas entrevistas concedidas pelo reitor à revista Veja e ao jornal Estadão, já em 2014, por meio das quais atacou os “acomodados” docentes da USP e o regime de dedicação integral (RDIDP), expressando ainda seu desejo de ter as mãos livres para demitir e contratar à vontade. Na ocasião, também, anunciou sua disposição de interromper a “dinâmica sindical” existente na universidade.
E como um projeto tão desvastador poderia ser implementado? Às custas dos salários e condições de trabalho de quem constrói cotidianamente a USP: reajuste zero na data-base de 2014; desvinculação irregular do HRAC; sucateamento criminoso do Hospital Universitário; fechamento das creches; criação e fiasco da Caeco e do processo de reformas democráticas do Estatuto; escândalo na FUSP; conivência com a “indústria” de cursos pagos e projetos privados na universidade; aprovação, por meio de manobra regimental, de uma nova carreira docente que descontentou amplos setores da USP após um processo de discussão nada democrático; PIDV 1 e 2, demissão de 3 mil funcionários; perseguição ao Sintusp; negociações clandestinas com McKinsey&Company e Comunitas.
E agora, a menos de um ano do final do mandato, a Reitoria propõe, sem nenhuma discussão prévia, uma pauta-bomba para o Co, tendo em vista equilibrar as contas da USP às custas de funcionários e docentes, que terão seus salários congelados e poderão ser exonerados de seus cargos. Será o fim da USP?
25 de fevereiro de 2017.
Reitoria propõe exoneração de servidores vinculada a teto para folha salarial!
Divulgada no blog da representação dos doutores pelo professor José Renato Araújo, a pauta da próxima reunião do Conselho Universitário (Co) da USP, a realizar-se em 7/3/17, inclui proposta da Reitoria de contingenciamento de recursos que, se aprovada, limitará os investimentos das próximas gestões, obrigando-as a seguir a mesma política de arrocho salarial da atual gestão reitoral.
Denominada“Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira da USP”, a proposta da Reitoria complementaria o artigo 22 do Estatuto da USP, estabelecendo que, além do orçamento anual, as gestões reitorais deverão elaborar normas orçamentárias anuais e quadrienais.
O ponto mais grave é que, nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), essa proposta impõe limites aos gastos totais com pessoal — e autoriza a Reitoria a, sempre que esse limite vier a ser ultrapassado, exonerar inclusive servidores concursados, sejam eles docentes ou funcionários técnico-administrativos.
As normas orçamentárias propostas deverão seguir os parâmetros que dão título ao documento, definidos no Capítulo II, que estabelece como limite máximo de gastos totais com pessoal “85% das receitas relativas às liberações mensais de recursos do Tesouro do Estado de São Paulo”.
Além disso, o texto estabelece que, a partir do percentual de 85%, ações de redução de gastos serão necessárias, como indicado no artigo 169 da Constituição Federal que prevê inclusive a exoneração de funcionários estáveis, como indica o parágrafo § 4º: “Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.”
Redução do quadro
A proposta da Reitoria prevê ainda que no mínimo 40% do número de servidores ativos sejam docentes; depois do segundo PIDV esse percentual é de aproximadamente 30% (6 mil docentes para 14 mil técnico-administrativos, aproximadamente). Se o número de docentes for mantido, isso implicará a exoneração de quase 5 mil técnico-administrativos nos próximos anos (além dos cerca de 3 mil já demitidos via PIDVs). A regra passaria a valer a partir de 2022, mas as regras transitórias buscam garantir que em pouco tempo esses percentuais sejam atingidos.
As intenções da gestão M.A. Zago-V. Agopyan são claras: exoneração de expressiva parcela do corpo de servidores técnico-administrativos a curto prazo, bem como, para os docentes, possível exoneração para adequação orçamentária, arrocho salarial e outras formas de deterioração das condições de trabalho.
A Reitoria acelera a transformação da USP, submetendo essa excepcional instituição pública de interesse social a uma lógica financeira de momento, deformando-a ao sabor dos interesses do mercado. Não é casual que as decisões do reitor estejam sendo orientadas por uma “organização social” ligada a conhecidas estruturas partidárias, a Comunitas, e a uma poderosa empresa transnacional de origem norte-americana, a McKinsey&Company.
Já dissemos: para atingir as metas que propõe, a Reitoria quer que o Co vote pela aplicabilidade do artigo 169 da Constituição Federal, que nos seus incisos 4º a 7º prevê a exoneração de pessoal estável e concursado, e a extinção do respectivo cargo, o que compromete a possibilidade de expansão futura, mesmo que o financiamento aumente, pois os cargos não mais existirão para serem preenchidos.
Atenção, colega: você pode sim perder o emprego!
Nenhum docente deve alimentar a ilusão de que sua dedicação e a qualidade do seu trabalho de ensino e pesquisa poderão resguardá-lo da possibilidade de ser um dos exonerados. Não adianta pensar, mais uma vez, “não me afeta”. Caso este novo e ainda mais draconiano projeto da Reitoria seja aprovado, ninguém estará a salvo de uma eventual exoneração.
Nenhuma chefia ou direção, mesmo bem intencionada, poderá proteger a quem quer que seja num contexto em que a premissa não é mais de uma instituição pública de relevância social, mas de uma “organização” que se articula e se submete cada vez mais aos interesses empresariais privados. Ou enfrentamos decididamente esse ataque com uma recusa contundente, ou rifamos para os mercadores da educação escondidos sob alguma fachada filantrópica a nossa sobrevivência e a da universidade que construímos.
A crise é de financiamento. A USP cresceu muito nos últimos anos, tanto em número de cursos, quanto em número de estudantes. Somente em relação ao número de matrículas na graduação, entre 1995 e 2015 o aumento foi de 75,6%! A alíquota de repasse do Estado, porém, permaneceu a mesma: 9,57% da Quota-Parte Estadual (QPE-ICMS) — dos quais 5,0295% cabem à USP. Mas nem esse mínimo tem sido respeitado pelo governo: ao manipular a base de cálculo do repasse, reduzindo-a, o Tesouro Estadual acaba por descontar, indevidamente, elevadas quantias.
Enquanto a economia crescia e, com ela, a arrecadação de ICMS, a alíquota não pareceu problemática para sucessivas gestões da Reitoria. Agora que a arrecadação diminuiu e o valor dos repasses caiu, já passou da hora de a gestão M.A. Zago-V. Agopyan pressionar, de modo articulado com o Cruesp, por aumento da alíquota e repasse dos valores corretos. Mas essa Reitoria tem preferido enfraquecer o Cruesp e destruir a força de trabalho da universidade a incomodar o Palácio dos Bandeirantes.
Mais uma vez constatamos que uma proposta desse tipo, que se vier a ser aprovada terá enorme impacto sobre a vida e o futuro da USP, é colocada em pauta para votação em questão de dias, sem a devida antecedência e sem permitir sua prévia discussão nas unidades.
Dado que a Reitoria, de forma inconsequente e antidemocrática, já inseriu essa proposta na pauta da próxima reunião do CO, é preciso barrar esse projeto impedindo que ele seja votado. Para tanto, é necessário que todo e qualquer docente assuma a responsabilidade de organizar reuniões de esclarecimento e debate, bem como de solicitar às congregações que se reúnam extraordinariamente, tendo em vista orientar com clareza os votos dos representantes desses colegiados e dos diretores. No mesmo sentido, cabe a cada um solicitar que seu representante de categoria no CO recuse essa proposta.
Já está agendada para 6/3 uma Assembleia Geral da Adusp, na qual poderemos discutir juntos o calendário de mobilização contra essa absurda iniciativa. A direção da Adusp ficará à disposição para participar de qualquer reunião de docentes em unidades para todo e qualquer esclarecimento necessário.
Avaliação do Jurídico
A seguir, a avaliação do Departamento Jurídico da Adusp no tocante ao artigo 169 da CF, conforme referido no Capítulo II da proposta da Reitoria intitulada “Parâmetros de sustentabilidade econômico-financeira da USP”:
Ao final do Cap. II – Limite de despesas totais com pessoal, está previsto como “limite prudencial” de despesas totais com pessoal o percentual de 80% dos repasses do Tesouro do Estado e que, quando esse comprometimento estiver nesse patamar, a USP fica obrigada a tomar medidas de contenção de despesas com a folha como: não conceder vantagens, aumentos, ou reajustes; não criar cargos, empregos ou funções, não promover alterações na carreira que impliquem aumento nas despesas, não dar provimento a cargos públicos ou admissões de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de docentes; e, por fim, não autorizar horas extras.
Prevê ainda que, sem prejuízo dessas medidas, se o patamar com gastos com a folha atingir 85% (situação atual, na qual se superam os 100%), se elimine o percentual excedente, nos dois semestres seguintes, adotando-se as providências previstas nos parágrafos (§) 3º e 4º do artigo 169 da Constituição Federal (CF).
Esse artigo da CF autoriza, entre outras medidas, a exoneração de servidores públicos não estáveis e, também, estáveis para que as despesas com pessoal sejam enquadradas nos limites previstos. Nessas bases, a exoneração de servidores estáveis tem como primeira condição que se tenha promovido a diminuição em pelo menos vinte por cento da despesa com cargos em comissão e funções de confiança (inciso I do § 3º artigo 169) e a exoneração dos servidores não estáveis (inciso II do § 3º artigo 169). Caso essas medidas não tenham sido suficientes para ajustar a despesa com pessoal ativo e inativo aos limites previstos, os parágrafos 4º ao 7º do artigo 169 autorizam e disciplinam demissões de servidores estáveis, nos limites da Lei Complementar 101/2000 (LRF).
O § 4º do artigo 169 estipula, especificamente, como condição para a exoneração de servidores estáveis a necessidade da edição, pelo respectivo Poder competente, no caso a própria USP, de prévio ato normativo motivado que especifique a dispensa.
Nesse caso, é nosso entendimento que os balizamentos a serem seguidos pela USP na edição de um ato normativo que trate de dispensas são os definidos pela Lei Federal 9.801/99, de modo que esse ato não adote critérios eminentemente subjetivos, arbitrários, e termine por violar importantes princípios constitucionais, como a isonomia e a impessoalidade. Há de ser impessoal, genérico, com critérios gerais e abstratos para a definição de prioridades na escolha dos servidores que serão exonerados.
Visando a necessidade de se restringir a discricionariedade administrativa na escolha dos servidores estáveis exoneráveis, com base no artigo 169 da CF/88, a Lei 9.801/99 estabeleceu os balizamentos definidores que deve conter o ato normativo e os critérios para seleção dos servidores a serem exonerados, conforme segue:
Art. 2º -
§ 1º O ato normativo deverá especificar:
I - a economia de recursos e o número correspondente de servidores a serem exonerados;
II - a atividade funcional e o órgão ou a unidade administrativa objeto de redução de pessoal;
III - o critério geral impessoal escolhido para a identificação dos servidores estáveis a serem desligados dos respectivos cargos;
IV - os critérios e as garantias especiais escolhidos para identificação dos servidores estáveis que, em decorrência das atribuições do cargo efetivo, desenvolvam atividades exclusivas de Estado;
V - o prazo de pagamento da indenização devida pela perda do cargo;
VI - os créditos orçamentários para o pagamento das indenizações.
§ 2º O critério geral para identificação impessoal a que se refere o inciso III do § 1º será escolhido entre:
I - menor tempo de serviço público;
II - maior remuneração;
III - menor idade.§ 3º O critério geral eleito poderá ser combinado com o critério complementar do menor número de dependentes para fins de formação de uma listagem de classificação.
Merecem destaque ainda os seguintes pontos da proposta da Reitoria:
1. O Cap. VII estipula que o descumprimento das normas propostas ensejará “responsabilidade dos gestores universitários, nos termos do regime disciplinar geral da USP”;
2. embora esteja previsto no Cap. VIII das Disposições Transitórias, que as regras previstas no Cap. II, dos limites de despesas com pessoal, passarão a vigorar para o exercício orçamentário de 2022, ali também se afirma que “enquanto não forem atingidos os parâmetros previstos no Capítulo II, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais deverão conter medidas que indiquem a redução de despesas totais com pessoal, visando ao menos a 5 pontos percentuais, em relação ao percentual acumulado nos 12 meses seguintes”. Ou seja, não há garantia de que não se esteja cogitando de se lançar mão de exonerações já a partir de agora caso a proposta seja aprovada;
3. A previsão, no Cap. VIII, de que “Qualquer alteração da presente norma, anteriormente a 2022, dependerá de aprovação por 2/3 de votos dos membros do Conselho Universitário”, é incompatível com o Estatuto, que não exige quórum especial para deliberações sobre matéria orçamentária e sobre parâmetros de sustentabilidade.
Fonte: Esquerda Diário