Acadêmicos protestam contra corte de gastos para pesquisa e são advertidos pelo CNPq
31 de Outubro de 2016 às 09:29:10Brasília – O ambiente de protestos contra o corte de gastos do governo Temer continua resultando em advertência a servidores e técnicos de vários órgãos federais. Desta vez, o alvo de iniciativas do tipo foi o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que recebeu uma carta de protesto assinada por cerca de 70 doutores, integrantes dos comitês que julgam processos e editais para bolsas de pesquisa. O grupo, formado por acadêmicos de todo o país, se reuniu no auditório para discutir os termos do documento, no último dia 12, quando reclamou de cortes de gastos. E no dia seguinte, alguns dos profissionais considerados responsáveis pela iniciativa, bem como servidores do órgão, receberam uma reclamação.
Tudo começou quando esses professores doutores, que fazem o julgamento de processos referentes à chamada demanda de produtividade em pesquisa (no caso específico, julgam editais sobre eventos e bolsas de produtividade para os pesquisadores), foram surpreendidos, ao chegarem a Brasília para mais uma avaliação dos trabalhos, com outra notícia sobre corte de gastos. E a reunião na qual resolveram discutir o assunto, no auditório da entidade, terminou sendo concluída com a elaboração de uma nota e gritos de “fora, Temer”.
No dia seguinte, veio a repreensão por parte do presidente interino do conselho, o atual diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e de Saúde do órgão, Marcelo Marques Morales. A reclamação maior dos professores doutores, que levou à discussão da nota, se deu porque ao chegarem e saberem que haveria cortes de gastos, eles foram chamados no auditório pelo mesmo presidente interino para uma conversa.
Ouviram de Morales que não são verdadeiras as informações, mas, ao mesmo tempo, lhes foi feito um pedido para que eles estabelecessem um ranking, dentre os melhores trabalhos selecionados, sobre quais poderiam ser excluídos se por acaso alguma possível redução se concretizasse.
Diante disso, integrantes dos comitês de várias áreas se recusaram a fazer esse ranking. E alguns comitês foram além: nos trabalhos em que acharam que existiu igualdade de condições entre os selecionados para o número de vagas existente hoje, deram a todos uma mesma nota – como forma de evitar pretextos para futuras exclusões.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do CNPq e a área de plantão da assessoria de comunicação do Ministério de Ciência & Tecnologia. A imprensa do CNPq não atendeu os telefonemas, mesmo constando no site do Palácio do Planalto celulares para atendimento de plantão a repórteres pelo órgão. Integrantes da comunicação do MCT, ministério ao qual o conselho é atrelado, disseram não ter conhecimento do episódio, mas argumentaram que por ser dia do servidor publico, portanto, ponto facultativo, não tem como retornar aos questionamentos da RBA nesta sexta-feira (28).
Importância estratégica
Os acadêmicos responsáveis pela nota, divulgada no último dia 20, que conversaram com a RBA, não terão seus nomes divulgados aqui para evitar perseguições. Mas eles divulgaram o teor da carta na qual expõem suas considerações. No documento, reclamam que receberam a informação que o CNPq poderia aplicar um corte de 20 a 30% das bolsas ativas nesta rodada, caso persistam os cortes orçamentários aos quais o órgão vem sendo submetido.
E destacam que a bolsa de produtividade em pesquisa é de “importância estratégica para a manutenção de condições mínimas de sobrevivência da pesquisa científica nacional”.
Os professores doutores, que atuam em várias universidades do país, também ressaltam que o quadro atual não representa grande novidade, uma vez que há alguns tempos, modalidades de auxílio do CNPq vêm sofrendo significativas reduções. E apontam como fatores que agravam a situação, ações do atual governo como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela os gastos públicos por 20 anos.
“Estes cortes representam um retrocesso histórico em relação às conquistas deste século. No caso do desenvolvimento em CT&I, sabemos que a manutenção – e a ampliação constante – dos editais universais e das bolsas de iniciação científica e produtividade em pesquisa são fundamentais para a continuidade de projetos de pesquisa em andamento e a formação mais ampla de recursos humanos em nosso país, de modo a não comprometer as próximas gerações.”
O caso lembrou recente episódio ocorrido no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Diante da elaboração de um estudo apontando danos para o país em congelamento de gastos com educação e saúde, o presidente do órgão, Ernesto Lozardo, chamou a pesquisadora responsável, Fabiola Sulpino Vieira, ao seu gabinete para uma conversa que culminou com a sua exoneração. Desta vez, no CNPq não houve exoneração. Mas a iniciativa de dar um “carão” em acadêmicos renomados, pegou mal para o órgão.
Fonte: Rede Brasil Atual