Às vésperas de sediar a Olimpíada, a “remodelada” cidade do Rio se assemelha à antiquíssima Atenas, mas não em seus imemoriais e gloriosos dias homéricos, e sim em seu presente neoliberal, decadente e injusto. Com seus deuses decadentes, mas ainda no poder, o Estado do Rio, por sua vez, se depara, tal qual o Brasil, com um tenebroso cenário grego, no qual a maioria da população, privada de participação política, se encontra refém de poderes tirânicos, representantes de uma minoria de oligarcas que habita palácios e jardins. Se, na Grécia contemporânea, os interesses do povo se curvam aos ditames privatistas dos banqueiros da União Europeia, no Brasil de hoje, um governo golpista implementa um draconiano ajuste fiscal que pode significar o fim da educação e da saúde públicas. Governado pelos mesmos titãs decrépitos que controlam a pólis olímpica — e o poder federal —, o estado é um laboratório do modelo de gestão que o PMDB de Temer oferece ao país.
Enquanto nas favelas a PM, olimpicamente, assassina jovens negros, o direito à educação e à saúde é subtraído aos cidadãos por meio de um impudente desfinanciamento — e a greve dos profissionais da educação e as mobilizações do Fórum de Saúde são justas respostas a isso. Boa parte da artilharia do governo estadual está voltada contra a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com destaque para seu hospital, o Pedro Ernesto (Hupe).
O caso da Uerj é exemplar do projeto perpetrado pelo triunvirato Pezão-Dornelles-Picciani. A crise financeira estadual, oriunda não só dos vultosos gastos com os megaventos, mas também das incontáveis isenções fiscais concedidas a cervejarias e outras empresas de serviços dionisíacos, tem servido de justificativa para a destruição da maior universidade do estado, a primeira no país a instituir cotas raciais. Rios de tinta poderiam ser gastos para descrever o que é feito com a Uerj, mas basta ao leitor saber que, numa reedição neoliberal da escravidão ateniense, os terceirizados trabalharam meses sem receber, até se tornarem escravos por dívidas dos bancos. E, finalmente, foram sumariamente demitidos sem direitos trabalhistas pelas empresas prestadoras de serviços, que alegam nada ter recebido dos cofres públicos em um ano no qual a execução orçamentária da universidade é, até agora, de zero centavo. Nesse quadro calamitoso, as bolsas não são pagas, e os salários de técnicos e docentes são atrasados/parcelados.
Por fim, não é escusado destacar que os diversos campi universitários hoje acumulam tanta sujeira e lixo que, como num castigo maligno ordenado pelo Zeus Cabral, trabalhadores e estudantes parecem destinados a agonizar, acorrentados, junto a ratos, baratas e Aedes aegypti, por milênios, pelo simples fato de terem optado pela tocha prometeica do conhecimento (público, gratuito e de qualidade) em detrimento da vergonhosa tocha olímpica peemedebista.
Mas a UERJ resiste!
Lia Rocha e Felipe Demier são diretores da Associação dos Docentes da Uerj - Seção sindical do ANDES-SN
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