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Bolsistas de pós-graduação pela Faperj convivem com atrasos de recursos

04 de Abril de 2016 às 13:35:46

RIO — Laila Castro e Maria Luiza Gomes Medaglia trabalham em um laboratório do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ. Ambas têm 27 anos, cursam o doutorado e figuram entre os 455 beneficiados pelo Programa Bolsa Nota 10, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), cujos recursos são destinados a alunos com avaliação de excelência do Ministério da Educação. Entre os maiores talentos da ciência de sua geração, as colegas convivem com atrasos constantes no financiamento de seus estudos. Pior: o governo do estado admite que a dívida vai se estender pelo menos até julho. Os cofres vazios podem sacrificar o progresso de pesquisas promissoras, principalmente na área da saúde. 


Professora de Laila e Maria Luiza, a virologista Clarissa Damaso denuncia o descaso com os bolsistas do estado:


— É como se fizessem favor ao pagar estes profissionais. A competição é acirrada para selecionarmos os alunos, e eles estão sem pagamento. Não é bizarro? O prêmio por ser o melhor é trabalhar de graça — condena. — A Maria Luiza estuda a evolução da vacina da varíola e a Laila fez projeto sobre a sobrevivência de células infectadas com vírus. Agora, ela trabalha comigo na observação do sistema de propagação do vírus zika. Mesmo sem bolsa, se desdobra para me ajudar em um campo fora de sua tese.


A Faperj reconhece que a dívida com os bolsistas chega a R$ 9 milhões. Embora a maior parte dos bolsistas esteja em cursos de ciências biológicas e humanas, a fundação avalia que “eventuais atrasos no pagamento das bolsas afetam a produção acadêmica em todas as áreas, sem distinção”. Há esforços para incrementar parcerias com outras agências de fomento à pesquisa, além da busca por acordos de cooperação com empresas e organismos internacionais. No entanto, os repasses da Secretaria estadual de Fazenda ainda são a principal fonte de verbas. Em nota, a pasta afirma que os pagamentos serão realizados “de acordo com a disponibilidade da caixa” e que busca regularizar a situação “o mais rapidamente possível”.


Uma das interlocutoras da Faperj, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) destaca que 22% dos programas científicos de melhor avaliação no país estão ligados à fundação.


‘OPTAMOS POR UM FUTURO DOENTE’


Presidente da ANPG, Tamara Naiz revela que mais de mil pesquisadores estão envolvidos no estado do Rio com estudos ligados ao combate aos vírus de dengue e chicungunha.


— A bolsa é fundamental para o pós-graduando chegar ao laboratório, comprar insumo para sua pesquisa e sobreviver, já que ele é proibido de assumir qualquer vínculo empregatício — assinala. — Na atual situação financeira do estado, uma geração inteira de pesquisadores pode ser comprometida. Todos os avanços dos últimos anos estão em jogo, porque os projetos podem ser largados e, quando forem retomados, já estarão defasados.


De acordo com Tamara, os estudantes contemplados pelo Bolsa Nota 10 têm potencial e ideias para pôr o país na vitrine mundial em áreas como agricultura, medicina, construção civil e prospecção de petróleo em áreas profundas.


— Os bolsistas já não contam com direitos trabalhistas, férias, afastamento por motivo de saúde e equipamento de proteção individual — enumera. — Agora, também estão com as bolsas defasadas. Não pedimos um privilégio, é uma necessidade. Estamos desvalorizados no momento em que precisamos de mais pessoas fazendo ciência.


Para o matemático Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências, o Rio é um retrato de como o país faz um movimento oposto ao recomendado na produção de conhecimento.


— Países como os EUA e a China, em seus momentos mais difíceis, resolveram destinar mais verbas para tecnologia e inovação — destaca. — Nós optamos por um futuro doente. Alguns jovens talentos podem passar em branco.


As estudantes da UFRJ já vivenciam limitações impostas pela falta dos recursos da Faperj.


— A bolsa é o nosso salário — conta Maria Luiza. — Uma parte das pesquisas é afetada. Minha família consegue me apoiar, mas conhecemos muitas pessoas endividadas. Algumas são despejadas porque não conseguiram pagar o aluguel.


— Há pessoas que estão deixando de pagar plano de saúde ou que estudavam no exterior e precisaram voltar para o Rio — ressalta Laila. — Estou revezando o carro com Maria Luiza para economizar gasolina. Uso o cartão de crédito do meu marido e já cortei gastos no supermercado.


Uma aluna de mestrado de Engenharia Médica, que se identifica apenas como Beatriz, não conseguiu comprar, por duas semanas, os 16 medicamentos diários consumidos por seu pai, que sofre de problemas cardíacos. A família também não tinha dinheiro para levá-lo de táxi para um hospital.


— Só conseguimos que ele fosse atendido depois de pedir dinheiro emprestado para muitas pessoas, inclusive alguns amigos bolsistas — recorda-se. — A bolsa é de R$ 2.200, e preciso bancar com este valor os remédios do meu pai, a fisioterapia da minha mãe, a conta de telefone e o meu transporte de São Gonçalo, onde moro, para o laboratório em que trabalho, na Ilha do Fundão.


Beatriz afirma que, no período em que seu pai ficou sem remédios, ligou “para todos os telefones do governo” em busca de informações sobre a data em que os estudantes receberiam o dinheiro devido pelo estado. Foi informada de um prazo que acabou não sendo cumprido. Ao GLOBO, a Faperj alega que “não tem meios de determinar o número de bolsistas que dependem do apoio financeiro da fundação para se sustentar”.


GANHADOR DA MEDALHA FIELDS ERA DO PROGRAMA


Um dos mais ilustres cientistas contemplados pela Bolsa Nota 10 foi Artur Ávila, vencedor em 2014 da Medalha Fields, considerada o “Nobel da Matemática”. Ávila lembra que o pagamento da Faperj ocorria normalmente em 2000, quando era bolsista da fundação. Agora, no entanto, o matemático teme que a crise financeira fluminense afaste ainda mais a sociedade da ciência.


— Ainda não sabemos apresentar a ciência como uma oportunidade para o jovem talentoso. Ele conhece a medicina, a engenharia, mas não a nossa profissão — avalia. — Agora, a tendência é que se afaste ainda mais. Por que optará por seguir uma carreira sem ter a garantia de que o governo fará a sua parte? Por que arriscará não ser valorizado? O poder público é míope, e nos últimos anos já perdeu oportunidades de expandir o meio acadêmico.


 


Fonte: O Globo