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A Associação Nacional de História (ANPUH) emite nota em defesa das terras indígenas e quilombolas

30 de Dezembro de 2015 às 12:34:11

A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) vem, por meio desta, repudiar a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pela Câmara dos Deputados, no dia 11 de novembro próximo passado, que visa apurar supostas "fraudes" na elaboração de laudos antropológicos. Esses documentos vêm sendo realizados por equipes interdisciplinares compostas por antropólogos, historiadores, geógrafos, arqueólogos, dentre outros. O diálogo entre diferentes áreas de conhecimento tem sido frutífero no sentido de intercâmbios de saberes. Da mesma forma que a Academia é acionada no sentido de prestar sua expertise em querelas sociais, os conhecimentos produzidos nesses contextos ajudam a redesenhar e repensar aquilo que se tinha consolidado a respeito da escravidão, do pós-Abolição e das comunidades tradicionais. No que diz respeito à cada vez mais ativa participação de historiadores, sua contribuição, por um lado, substancializa e enriquece os conhecimentos que temos do passado de nosso país e, por outro, maximiza as possibilidades de inserção cidadã de comunidades historicamente marginalizadas, ao oportunizar a legitimação ou a restituição de seus territórios tradicionais.

Os povos originários do Brasil sofreram e seguem sofrendo um brutal processo de genocídio. Ao mesmo tempo em que nosso país os aciona como símbolo da nacionalidade, inviabiliza sua existência e a reprodução de seus modos de vida tradicionais. O mesmo pode ser dito das comunidades negras rurais, designadas na Constituição Federal de 1988 como comunidades remanescentes de quilombos. A Constituição Federal está prestes a completar 30 anos de existência e quase nada foi feito em termos de legalização de terras tradicionalmente ocupadas, já que isso contraria interesses do capital, do agronegócio e, por vezes, dos próprios governantes. Contudo, índios e quilombolas são cidadãos brasileiros que também devem ter seus direitos constitucionais assegurados, o que lhes tem sido negado na Nova República, de forma a reiterar a exclusão histórica que têm sofrido. Preocupa-nos sobremaneira que, diante deste cenário, se crie uma Comissão que novamente se encarrega de cerceá-los do exercícios de seus direitos democráticos, ao propor-se à desconstrução dos laudos e relatórios de identificação, caminho legalmente adequado para o alcance de seus direitos territoriais.

A petição de criação da CPI é desconectada da realidade, ao apelar para o "mito da democracia racial", apontando um ilusório cenário idílico e harmonioso das relações raciais em nosso país, cenário este há muito e por demais demonstrado como inexistente pelas ciências sociais brasileiras. Pelo contrário, diversos estudos apontam para os efeitos de dissimulação de relações de autoritarismo entre os diversos grupos raciais por trás desse discurso. É o que acontece, está demonstrado, nas comunidades ora atacadas, onde são pródigos os episódios de violência inter-racial e de expropriação de territórios em função da assimetria de poder oculta sob o viés da "harmonia".

A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) entende a Comissão Parlamentar de Inquérito ora criada como uma inaceitável tentativa de submeter o pensamento crítico e autônomo dos profissionais em ciências sociais aos ditames das pressões do poderio econômico e político e de subtrair direitos constitucionais de povos historicamente marginalizados.


 


São Paulo, 15 de dezembro de 2015.


 


Maria Helena Rolim Capelato


Presidente da ANPUH-Brasil (Biênio 2015-2017)


Fonte: Associação Nacional de História (ANPUH)