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Caravana Tekoha: um encontro dos que lutam na cidade, trabalhadores rurais e povos Guarani Kaiowa contra a PEC 215

17 de Dezembro de 2015 às 21:17:06

A Caravana Tekoha à aldeia Takuara dos índios Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, realizada de 10 a 13 de dezembro, sob organização da CSP-Conlutas, foi marcada por imprevistos e superações. Os povos indígenas são tão perseguidos na luta pela terra que lhes pertence e de onde foram expulsos, que, em Dourados, cidade onde fizemos uma das paradas, não podíamos sequer dizer para onde estávamos indo.  


A viagem foi longa. Depois de 12 horas, boa parte delas sob chuva forte, o que nos esperava eram estradas enlameadas. Em determinado ponto do caminho, o ônibus já não passava mais e a maioria dos que estavam na caravana fez um mutirão para colocar pedras nos buracos da estrada na tentativa de fazer com que o ônibus continuasse.  


Não adiantou! Tivemos de chamar um caminhão e fomos todos na boleia. Para nossa sorte, a chuva havia diminuído, o que permitiu uma viagem com cheiro de mato, barro, currais, mas também dos pesticidas das vastas plantações.   Nesse ponto da viagem, o espanto e indignação tomaram conta de todos ao constatar o quanto aquela região estava devastada para monocultura. Em todo o trajeto – por cerca de 40 minutos de viagem – víamos apenas plantação de soja num lado da estrada e cana-de-açúcar do outro lado.  


Nessa região não se vê árvores por quilômetros. Uma das reclamações dos Guarani Kaiowa é o quanto suas plantações, rios e açudes são envenenados pelos pesticidas lançados voluntariamente em grande quantidade sobre as aldeias para comprometer a qualidade da terra e, por consequência, das suas roças. “Antes a nossa mandioca era macia, agora cozinho, cozinho até na (panela) pressão e continua dura; é a terra que não é mais boa”, disse “mama Júlia”, a matriarca do nosso primeiro destino: a aldeia Takuara.  


A receptividade da família Veron à caravana tocou a todos. Um almoço foi feito com cuidado – muito arroz e um pouco de charque, mandioca e feijão. Essa foi a dieta em todos os dias de permanência da caravana e é essa a dieta dos moradores da aldeia, inclusive das crianças –  rica em carboidratos, mas desfavorecida em fibras e proteínas.   A alimentação é uma das dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas da região. Na aldeia chega pouca ou quase nenhuma ajuda institucional e o preconceito dos caris (homem branco) impede homens e mulheres indígenas de conseguir emprego.  


Boas vindas  


Logo depois do almoço, uma cerimônia de boas vindas saudou os que chegavam para apoiar a luta pelas terras originárias dos Guarani Kaiowas. “Esta é a nossa terra, é por ela que nós lutamos”, nos mostrou a liderança Valdelice Veron, apontando para as imediações.  


O dirigente nacional da CSP-Conlutas, responsável pela caravana, Paulo Barela, falou em nome da Central. “Nós estamos aqui para apoiar a luta de vocês, porque entendemos que os povos indígenas são os verdadeiros povos dessa terra e vêm sendo extremamente atacados pelo agronegócio e pecuaristas da região.”  


Foi um momento de integração entre lutadores: os povos Guarani Kaiowas; representantes do Luta Popular, movimento que defende a moradia urbana; trabalhadores rurais da Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de SP); representações petroleiras da FNP (Federação Nacional dos Petroleiros) e Sindipetro-RJ; metalúrgicos de São José dos Campos; Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), da Adunicentro-PR; do Sintrajud (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário de SP) e estudantes da Anel.  


PEC 215 – uma medida que retira o direito do índio  


Firmou-se ali uma frente de solidariedade: CSP-Conlutas e os povos Guarani Kaiowá. Uma luta para defender a demarcação das terras indígenas imediatamente. “Para nós essa PEC 215 é a morte”, disse o cacique Ládio Veron, referindo-se à Proposta de Emenda à Constituição que transfere da União para o Congresso Nacional o poder de demarcação das terras indígenas e quilombolas.  


A CSP-Conlutas, que já está à frente dessa batalha, reafirmou seu compromisso. “Nos manteremos firmes nessa luta que ataca violentamente os povos indígenas e quilombolas em benefício do agronegócio nesse país, um setor tão defendido pelo governo Dilma. Recentemente, por iniciativa de nossa Central, foi realizada uma Audiência Pública no Senado Federal sobre a demarcação dos territórios indígenas e quilombolas e a luta contra a violência latifundiária nessas áreas e contra a PEC-215”, salientou Barela.  


Tradição e espiritual  


A noite foi dedicada a um ritual fundamental para os Guarani Kaiowá: a reza, vital para um povo que defende a terra, a paz e os seus deuses. É por meio da reza que expressam sua cultura e visão de mundo.  Flautas, chocalhos e palavras melódicas em Guarani e kaiowa, para nós incompreensíveis, eram cantadas em torno do altar sagrado durante uma dança ritmada pela vontade de vencer uma luta pela terra e pela dignidade. Ficamos hospedados ali, nessa casa de reza. Mais do que um encontro de forças políticas, foi um encontro de guerreiros – explorados em seu trabalho, em sua moradia, em sua terra – mas que querem unir forças para garantir a vitória nas suas lutas. E ali trocaram-se informações sobre culturas e costumes na busca de entender tantas faces dos que são explorados pelo grande e inescrupuloso capital.  


Os sentimentos que primavam na viagem eram de solidariedade, empatia e respeito na perspectiva dos que estão do mesmo lado.  


Contratempos da natureza  


Esses sentimentos foram reforçados com as dificuldades provocadas pelos temporais enfrentados – muitos raios, chuva intensa e vendavais que arrancavam a proteção de lona da casa de reza provocavam muita apreensão, faziam lama por todo lado e deixaram a caravana ilhada sem poder percorrer outras aldeias. Experimentamos, com isso, um pouco das dificuldades vividas no cotidiano do povo Guarani Kaiowa.  


Contudo, essas adversidades serviram não apenas para fortalecer os laços entre os caravaneiros, mas para compreensão do que enfrentam os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, que são violentamente atacados pelo agronegócio com o aval do governo Dilma.   “Não resta dúvida de que essa missão serviu para estreitar os laços e a confiança das lideranças Guarani Kaiowa com a CSP-Conlutas e coloca em perspectiva um convívio cada vez mais constante das lutas dos povos originários e as lutas do povo trabalhador do campo e da cidade”, avaliou Barela.  


O dirigente agradeceu a todas as entidades e movimentos que participaram e reafirmou que a proposta é fortalecer essa frente de atuação de luta.  


Violência cotidiana  


Ao voltarmos de Mato Grosso do Sul fomos pegos de surpresa com mais uma ação violenta de fazendeiros, noticiada pelo Cimi (Conselho indigenista Missionário), de que homens armados estavam atacando diariamente um acampamento Guarani Kaiowá localizado na aldeia Kurusu Ambá, entre os municípios de Coronel Sapucaia e Amambai.  


Segundo a matéria publicada, lideranças indígenas disseram que estavam sendo ameaçados  verbalmente em espanhol ou Guarani – idiomas oficiais do Paraguai, sendo a língua tradicional falada habitualmente por não-índios. Os pistoleiros estavam procurando pela liderança indígena Eliseu Guarani Kaiowa.  


Segundo dados do Cimi, pelo menos 390 índios foram assassinados somente em MS nos últimos 12 anos. Desses, 41 em 2014. Essa humilhação e violência que enfrentam já provocou cerca de 700 suicídios, apenas nos últimos 12 anos e 47 somente em 2014. Ataques relâmpagos, espancamentos, estupros de mulheres adultas e adolescentes, morte de crianças, terror psicológico.


Todas essas são armas usadas pelos fazendeiros para acabar com os povos originários daquela região.


  Contra a PEC 215, pela demarcação imediata das terras indígenas, contra o genocídio dos Guarani Kaiowá!


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Redação: Claudia Costa (CSP-Conlutas) e Edna Pinson (Sintrajud)


Fotos: Edna Pinson


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