‘PL da Mordaça’ é inconstitucional, avaliam juristas. Professores(as) do Paraná lutam contra possibilidade de volta da censura
12 de Novembro de 2015 às 14:38:10A tramitação do PL 748/2015 na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep) chega à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).E a constitucionalidade da proposta que prevê punições para educadores(as) que, a partir de denúncias anônimas, sejam denunciados por “práticas de doutrinação política e moral”, começa a ser questionada.
A crítica central ao projeto alerta sobre o teor de censura da proposta. Se aprovado, o projeto proibiria que fatos, como o Massacre do Centro Cívico, por exemplo, fossem recontados e debatidos nas escolas. O presidente da APP-Sindicato, professor Hermes Silva Leão, salienta que a medida interfere no direito de ensinar e aprender assegurado na Constituição Federal “Isso é um retrocesso ao tempo da ditadura, que coloca uma dificuldade imensa no trabalho pedagógico nas escolas”, afirma.
De acordo com Constituição, todo(a) brasileiro(a) tem assegurado o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. A APP-Sindicato milita na defesa da liberdade e por isso preparou uma análise sobre a proposta detalhando item a item do projeto. Veja na tabela abaixo o documento elaborado pela APP sobre o ‘PL da Mordaça’.
Você pode ajudar na defesa por uma escola pública, gratuita e de qualidade. Nesta segunda-feira (09) haverá um audiência pública plenarinho da Assembleia Legislativa para debater o tema. A audiência começa às 9h, é aberta à comunidade e é organizada pelos pelos dos deputados Tadeu Veneri e Professor Lemos (PT) e pela APP-Sindicato.
ANÁLISE DO PROJETO DE LEI 748/2015
Texto do Projeto | Análise |
Art. 1o. Fica criado, no âmbito do sistema estadual de ensino o “Programa Escola sem Partido”, atendidos os seguintes princípcios: | A APP-Sindicato não concorda com nenhum ponto deste projeto de lei, que se mostra extemporâneo (digno da ditadura militar) e inapropriado à prática pedagógica com vistas a um projeto de educação emancipador e voltado à qualidade socialmente referenciada para a educação pública. |
I – neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; | A neutralidade da escola não significa a ausência de debate sobre temas de ordem social, política e individual, uma vez que esses e outros assuntos perfazem a formação humanística dos estudantes e formam o alicerce da educação laica e libertadora em nosso país. Como alinhar a prática escolar com os anseios dos(as) estudantes e como acompanhar as centenas de informações diárias disseminadas pela internet, sem a garantia de um espaço democrático plural nas escolas? |
II – pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; | O pluralismo de ideias está em sintonia com a laicidade do estado e com o princípio da gestão democrática (art. 206, VI da CF), devendo sempre ser observado de forma ampla. Ademais, esse principio constitucional é um dos pilares para a construção de uma sociedade fraterna e que aceite as diferenças entre indivíduos e grupos sociais diversos – características predominantes do povo brasileiro -, não podendo de maneira alguma ser tolhido ou mitigado. |
III – liberdade de consciência e de crença; | A liberdade de consciência e de crença pressupõe o livre arbítrio de qualquer pessoa poder questionar valores até então apresentados a ela, a fim de formar ou aprimorar sua opinião sobre determinados temas no momento presente ou num futuro de maior maturidade. E é papel da escola apresentar questões controversas do conhecimento e das relações sociais aos estudantes, sem doutriná-los, mas oportunizando o aprendizado crítico e dialético.A laicidade do Estado deve primar pela liberdade de todas as crenças. E, embora o § 1o do art. 210 da CF preveja a disciplina de ensino religioso, de matrícula facultativa nas escolas de ensino fundamental, seu alcance está sendo discutido neste momento no STF, sob a relatoria do ministro Roberto Barroso. A PGR sustenta que o ensino religioso nas escolas públicas não deve amparar-se em proselitismo tampouco ter caráter confessional. Esse tipo de conteúdo escolar só seria permitido em escolas privadas confessionais. |
IV – liberdade de ensinar e aprender; | O projeto trata de um importante princípio constitucional. A “liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (art. 206, II da CF). Esse princípio também é fundante do Estado Laico e democrático, sobretudo nnum momento histórico marcado pela “sociedade da informação”, que exige da escola o aprofundamento de assuntos absorvidos sem quaisquer filtros por crianças e jovens, via internet e televisão. E mesmo com o atual nível de liberdade pedagógica esse trabalho de aprofundamento da informação tem encontrado dificuldades nas escolas, quiça com as censuras impostas pelos artigos deste projeto. |
V – reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado; | A escola não é local de doutrinação, mas de instrução de temas curriculares e de debate de assuntos da vida cotidiana. As relações sociais fazem parte da escola; ela não é uma instituição isolada do mundo. Além de ensino stricto senso, é papel da escola educar para a vida, tal como preconiza o art. 205 da CF: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Também não se pode ignorar que os jovens no Brasil estão aptos a votar a partir dos 16 anos de idade, e que cabe à escola dar-lhes conteúdo crítico para fazer suas escolhas num momento tão importante como as eleições de gestores públicos e parlamentares. |
VI – educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença; | [Já analisado no inciso III] |
VII – direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. | A escola pública é local plural e democrático onde diferentes concepções de mundo se encontram. As convicções familiares obrigatoriamente serão confrontadas na escola pública, que comporta diferentes classes sociais e diferentes tipos de organizações familiares. Contudo, a ética é pressuposto de todas as relações, inclusive no que tange a transmissão do conhecimento aos estudantes por parte dos/as educadores/as. E o principio ético rege a relação dos profissionais da educação com seus pares e com os(as) estudantes e comunidade escolar. |
Parágrafo único. O Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero | Há um equivoco de que ao se refletir sobre a orientação sexual dos(as) estudantes se direcionaria o desenvolvimento natural da personalidade, seja lá o que isso queira dizer, uma vez que estudos da sociologia e psicologia evidenciam que a personalidade é um constructo social. |
Art. 2o. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes. | Esse artigo afronta os princípios constitucionais da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, além da pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas. Despreza também a laicidade do ensino público e a matriz plural e democrática que rege a escola pública. Tenta impor os dogmas religiosos e as convicções morais de cada família num ambiente social que deve prezar pela tolerância, liberdade e respeito a todas as crenças, raças, gêneros e orientações sexuais. Enfim, está eivado de inconstitucionalidade! |
§ 1º. As escolas confessionais e as particulares cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão obter dos pais ou responsáveis pelos estudantes, no ato da matrícula, autorização expressa para a veiculação de conteúdos identificados com os referidos princípios, valores e concepções. | A matrícula nessas instituições pressupõe a concordância familiar com os princípios morais e dogmas religiosos professados pelas escolas confessionais. De modo que o preceito legal nos parece redundante, embora não tenhamos discordância expressa com o mesmo. |
§ 2º. Para os fins do disposto no § 1º deste artigo, as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes material informativo que possibilite o conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados. | Temos acordo com esse parágrafo, no sentido de que ele aprimora os canais de gestão democrática entre a escola e a comunidade. Ao oportunizar a divulgação do projeto político- pedagógico da escola (art. 14 da Lei 9.394/96 – LDB) aos pais e responsáveis, e aos próprios estudantes, a escola convida-os a sugerirem temas e conteúdos curriculares para serem ministrados nos diferentes anos da educação básica. |
Art. 3o. No exercício de suas funções, o professor:I – não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover suas próprias opiniões, concepções ou preferências ideológicas, morais, políticas e partidárias;II – não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os alunos em razão de suas convicções ideológicas, políticas, morais ou religiosas, ou da falta delas;III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;IV – ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;V – respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;VI – não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula. | Essa espécie de código de ética já é seguida atualmente pela esmagadora maioria dos/as profissionais da educação e a CNTE reprova a mensagem negativa do PL, que sugere forte temor de cooptação de alunos por parte dos/as professores/as. Na verdade, a realidade sugere algo bem diferente! Pesquisa realizada pela CNTE, em 2003, publicada no livro “Identidade Expropriada – Retrato do Educador Brasileiro” (org. VIEIRA, Juçara) revelou as seguintes informações sobre os/as professores/as: embora 55,6% dos entrevistados tenham se declarado associados de sindicatos da categoria, somente 13,6% se consideraram militantes; 61,2% disseram não ter vínculo com movimentos sociais; 56,3% não tinham partido político de preferência e apenas 10% eram filiados a algum partido; 53,1% tinham entre 40 e 59 anos, 62% eram casados/as, 74,2% tinham filhos e 70% professavam alguma religião. Em 2014, segundo o censo do MEC, 76,2% dos/as professores/as eram graduados em nível superior. E esses indicadores em nada sugerem uma atividade profissional irresponsável ou revolucionária dos/as professores/as do ponto de vista da cooptação política e ideológica dos estudantes. |
§ 1º. Nas instituições públicas de ensino, é vedado ao professor e demais servidores promover manifestação de apreço ou desapreço, nos termos do estatuto dos servidores públicos civis do Poder Executivo.§ 2º. A violação aos deveres previstos neste artigo, quando praticada por servidor público, é punível na forma dos artigos 291 e seguintes do estatuto dos servidores civis do Estado do Paraná. | Esse tipo de prática estimula a censura, o medo e o papel de censor do Poder Público, Coage o professor(a) e está em dissonância com o art. 206 da CF que prevê a liberdade de ensinar. |
Art. 4º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio serão informados e educados sobre os direitos que decorrem da liberdade de consciência e de crença assegurada pela Constituição Federal, especialmente sobre o disposto no art. 4º desta Lei.§ 1º. Para o fim do disposto no caput deste artigo, as escolas afixarão nas salas de aula, nas salas dos professores e em locais onde possam ser lidos por estudantes e professores, cartazes com o conteúdo previsto no Anexo desta Lei, com, no mínimo, 70 centímetros de altura por 50 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas.§ 2º. Nas instituições de educação infantil, os cartazes referidos no § 1º deste artigo serão afixados somente nas salas dos professores. | Esse tipo de prática estimula a censura, o medo e a falta de confiança entre os atores escolares, indo na contramão dos objetivos da educação laica, democrática, libertadora e de qualidade socialmente referenciada, com base nos princípios da Constituição, da LDB e do PNE. |
Art. 5º. Professores, estudantes e pais ou responsáveis serão informados e educados sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que tange aos princípios referidos no art. 1º desta Lei. | Novamente é reforçada a censura e oportunizada formas de perseguição a profissionais, sem quaisquer limites previstos na Constituição; pelo contrário, ao arrepio dos mandamentos constitucionais. |
Art. 6º. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade. | Estimula-se o papel do censor nas escolas e nas secretarias de educação, uma prática bastante comum na Ditadura Civil- Militar. |
Art. 7º. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:I – aos livros didáticos e paradidáticos;II – às avaliações para o ingresso no ensino superior;III – às provas de concurso para o ingresso na carreira docente;IV – às instituições de ensino superior, respeitado o disposto no art. 207 da Constituição Federal. | Não bastasse o controle sobre a ação dos(as) professores(as) e sobre o currículo da Educação Básica, o Projeto de Lei prevê a censura aos materiais didáticos, as avaliações, provas e concursos e incide sobre os currículos do Ensino Superior. Algo digno dos piores anos da Ditadura Militar. |
Art. 8º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação. | Caso a CCJ da ALEP não declare a inconstitucionalidade do PL 748/2015, e se o mesmo acontecer à época de eventual sanção da Lei pelo Poder Executivo, a APP-Sindicato, desde já, anuncia que ingressará na justiça contra a eventual Lei. |