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Projetos que tramitam no Congresso buscam a mercantilização da universidade pública. Reitor da UFRJ afirma que isso ‘enterra o princípio republicano da igualdade de todos na rede pública’ e é necessário reagir

11 de Novembro de 2015 às 11:52:38

Após a recente aprovação na Câmara dos Deputados do texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 395/14, que põe fim ao princípio constitucional da gratuidade das atividades de cursos de especialização oferecidas pelas universidades públicas, tramitam no Congresso Nacional, com apoio do governo federal, outros dois projetos que pretendem desobrigar o estado com o financiamento das instituições federais de ensino (IFE) e permitir que empresas privadas invistam nas instituições públicas de ensino.


Tratam-se dos projetos de Lei da Câmara (PLC) 77/15 – antigo PL 2177/11, que amplia a consolidação das Parcerias Público-Privadas na área de Ciência e Tecnologia, e o PL 4643/12, que possibilita investimentos da iniciativa privada (pessoa física e jurídica) nas instituições federais de ensino públicas. Os projetos fazem parte do processo de mercantilização da universidade pública, gratuita e de qualidade em curso no país. O primeiro, aprovado pela Câmara dos Deputados, tramita atualmente na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal e cria o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, nos termos da Emenda Constitucional nº 85/2015.


Segundo Epitácio Macário, 2º vice-presidente do ANDES-SN e um dos do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia (GTCT), o projeto quando proposto em 2011 na forma de PL 2177 confrontava alguns preceitos da Constituição Federal de 1988 e, por isso, teve que ficar em espera, enquanto deputados elaboravam uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 290/13), aprovada em fevereiro de 2015, que originou a Emenda 85. O que abriu as portas para a tramitação do projeto.


“A Constituição previa o investimento estatal prioritariamente para a ciência básica e essa mudança constitucional incluiu a inovação no mesmo patamar da ciência e tecnologia, para responder às demandas do mercado, e tirando o termo básico, o que implica uma mudança considerável, pois quando falamos em tecnologia e inovação falamos de produto. Outra mudança tem a ver com a garantia de oferta de educação e ciência. Agora o fundo público pode ser investido diretamente em empresas nacionais e estrangeiras que realizem atividades de pesquisa e desenvolvimento em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação”, ressalta o diretor.


Para Macário, outra alteração que precisa ser pontuada, é a possibilidade das instituições públicas de ensino compartilharem equipamentos, métodos de conhecimento acumulado, no caso patrimônio científico, e pessoal técnico personalizado, com a iniciativa privada. “Agora é possível que uma universidade pública compartilhe tudo isso com uma empresa privada. E abrindo a possibilidade de criação de Organizações Sociais (OS) para gerir essas parcerias público-privadas. Os recursos públicos poderão ser aplicados agora nas OS”, critica. O docente alerta para as consequências do projeto, que promove a ‘sangria’ do fundo público para a iniciativa privada, voltando o PL para a indústria. “O capital privado acabará direcionando as pesquisas. E isso é um risco para as universidades e institutos, pois o conhecimento científico seria vinculado à iniciativa privada”.


A carreira docente, segundo ele, também sofrerá graves consequências com o projeto, pois este possibilita o professor ser remunerado fora das instituições, por algumas dessas empresas privadas, e em médio prazo liquidando com a Dedicação Exclusiva (DE). “É uma consequência muito grave, pois a DE é o regime de trabalho pelo qual nós lutamos, para que o professor se dedique a estudar, ensinar e fazer extensão dentro da universidade”. Ele alertou também para o aumento considerável na contratação do pessoal via OS, e não pelo Regime Jurídico Único (RJU), que prevê concursos público, carreira dos servidores públicos em todas as esferas.


Outro projeto em pauta, é o PL 4643/12, que tramita na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados, e cria o Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino superior. Na prática, o projeto institui a criação de um fundo privado feito a partir de doações de pessoas físicas ou jurídicas para o financiamento das instituições federais de ensino públicas. O projeto ainda considera a existência de um Conselho Gestor para que possa investir na especulação e garantir rendimento.


Giovanni Frizzo, 1º vice-presidente da Regional Rio Grande do Sul e membro da coordenação do Setor das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) do Sindicato Nacional, explica que o projeto é mais um mecanismo que estabelece interesses privados dentro das instituições públicas através de recursos privados oriundos de doações, que podem ser depois deduzidos do Imposto de Renda, e que operam na lógica da mercantilização da educação. “A criação deste Fundo Patrimonial nas instituições federais de ensino superior, permitem que pessoas físicas e/ou jurídicas financiem as universidades, e participem dos conselhos gestores. Os investimento de recursos privados nas instituições públicas colocam a universidade no jogo da especulação financeira, através da lógica de rendimento que esse fundo pode ter. Nenhuma pessoa física ou jurídica faz doações para alguma instituição sem ter algum tipo de interesse. Imagina uma empresa que necessite ampliar a sua produção tecnológica e queira baratear a produção? Ela poderá fazer doações para esse fundo, deduzir isso do IR e, em contrapartida, a universidade vai ter produzir tecnologia para beneficiar essa empresa doadora. Portanto, ataca a autonomia das instituições tanto no sentido do financiamento quanto da produção acadêmica e científica”, denuncia.


Frizzo ressalta que é preciso ampliar a mobilização dos docentes para derrubar esses projetos no Congresso Nacional. Para o coordenador do Setor das Ifes, a luta é em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. “O ANDES-SN é uma das entidades que tem feito diversas lutas, e neste ano greves das federais e das estaduais para barrar a privatização, mas ao longo de toda a sua história, em defesa da Educação Pública e para denunciar as diversas formas de privatização da educação. Esses projetos são alguns dos mecanismos que tentam buscar, de diferentes formas, ressignificar o caráter público da educação, dando sequência a esse projeto de educação privada que busca formas de mercantilizar a educação no país”, completa.


PEC 395/2014 já foi aprovada na Câmara


No dia 21 de outubro a Câmara aprovou a PEC 395/2014, que acaba com a gratuidade em cursos de pós-graduação lato sensu de instituições públicas. Jacob Paiva, 1º secretário do ANDES-SN e um dos coordenadores do Grupo de Trabalho Política Educacional (GTPE), explica que a medida contraria os princípios de educação pública, universal e de qualidade. “É o mais grave ataque, em anos, ao caráter público da educação no Brasil. Com essa PEC, as instituições públicas de ensino ficam liberadas a cobrar pelos cursos de pós-graduação lato sensu, o que desvirtua os objetivos da educação pública, que são a produção e socialização de conhecimento”, diz o docente. Além disso, ressalta Paiva, a medida desobriga o Estado a se comprometer com o financiamento das instituições públicas de ensino, oferecendo a venda de serviços como uma alternativa.


Informações de Agência Câmara. Ilustração de Rafael Balbueno.
Fonte: ANDES-SN