Tese de doutorado analisa impactos do produtivismo na saúde dos docentes da UFRJ
05 de Julho de 2015 às 18:48:52Filipe Galvão. Estagiário e Redação
Trabalho é suplício. Etimológico e concreto. Enquanto o sofrimento da palavra (do latim “tripaliu”) vem de um instrumento de tortura romano, o sofrimento prático diz respeito às relações de opressão e dominação. Nem professor escapa. É o que conclui Alzira Guarany em sua tese de doutorado “Trabalho docente, carreira doente” que analisou os impactos na saúde dos docentes da UFRJ.
A tese, defendida na Escola de Serviço Social no dia 9 de dezembro sob a orientação do professor Eduardo Mourão Vasconcelos, analisa o histórico do avanço do capitalismo no campo da educação. Até meados do século passado, a carreira de professor ainda habitava outro espaço na dinâmica do trabalho, sendo considerada uma vocação, e não uma atividade laboral. Um lugar no qual o docente era valorizado por seu tempo de reflexão e análise. Em sua tese, a professora identifica as crises do capitalismo como o motivador que transformou os setores de produção imaterial como educação e saúde em fatias a serem devoradas pela burguesia internacional.
Muita cobrança, pouca saúde
A motivação para a pesquisa foi política. Da graduação ao doutorado, toda a formação de Alzira foi pela UFRJ. “Senti que era um momento em que eu deveria devolver alguma coisa para a universidade”, diz. A ideia surgiu em uma aula do então presidente da Adufrj-SSind, Mauro Iasi, professor da própria ESS. “Na aula, eu perguntei do que o movimento organizado dos docentes estava precisando e ele me disse que precisavam conhecer um pouco mais da saúde do professor”, relembra.
A partir daí, Alzira entrevistou seis professores de três unidades diferentes — a ética da pesquisa garante o anonimato das fontes e dos lugares. E, depois de identificados os agentes desencadeadores de doença na carreira (processos de privatização e mercantilização da educação), a divisão foi feita entre unidades que concordavam, neutras e as que não concordavam com o processo de transfiguração da educação em mercadoria. Assim também foi possível comparar os efeitos (ao fim, iguais, todos estavam doentes) entre os que aceitavam e os que não aceitavam. Foram mais de cem folhas de transcrição de entrevista.
As histórias de vida chocam. Há a professora que trabalhava tanto a ponto de não ter tempo de perceber que já tinha quatro cânceres no corpo. Ou a do infarto que matou o professor que mal se alimentava ou dormia para dar conta do volume de trabalho. Fora depressão, patologias de pele, alteração da taxa de colesterol.
A fragilização da saúde física e mental dos docentes depois dos anos 90 é pura barbárie. “Essa intensificação irracional do ritmo de trabalho não respeita o sofrer e o prazer: é aí que surge a possibilidade do adoecimento”, diz Alzira.
Os elementos que deterioram a saúde dos docentes elencados na tese são: as parcerias público-privadas que não respeitam o ritmo das diferentes áreas de saber; a precarização das condições de trabalho que fazem coexistir na universidade setores de “primeiro e terceiro mundo”; um novo processo de trabalho que exige um profissional polivalente, adequado ao instrumental de novas mídias e ao novo perfil do aluno que se comporta como consumidor; a competição estrutural entre os pares; e os indicadores de produtividade estabelecidos por atores externos ao universo acadêmico. “Alguns elementos que geram o sofrimento já existiam, mas a maioria surge com o novo estilo de gestão da educação”, aponta Alzira.
Projeto deve seguir
Por enquanto, a reitoria ainda não procurou Alzira para estudar de que maneira a tese pode ajudar a proteger a saúde de seus quadros. A expectativa é que a pró-reitoria de Pessoal (PR-4) convide a doutora para conversar já que a professora Silvia Jardim, que faz parte da pró-reitoria, participou da banca.
Alzira listou três caminhos possíveis e complementares para entender mais a fundo o impacto na saúde dos docentes da UFRJ. Os dois primeiros são promover debates sobre eixos temáticos para sensibilizar a comunidade acadêmica e criar grupos de encontro para os professores vulnerabilizados e deprimidos. O outro é mais ousado. Fazer um estudo epidemiológico quantitativo abordando toda a comunidade docente. Assim seria possível saber quantos são, exatamente, os professores doentes. Os problemas da última proposta dão dois: o custo e a urgência. “O tempo de agora é o da denúncia, a situação é seriíssima”, concluiu a doutora.
Fonte: Adufrj