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Durante 66ª Reunião Anual da SBPC a reitoria da UFAC, sede do evento, promove maquiagem da universidade e esconde laboratórios insalubres além das condições de trabalho precárias de pesquisadores

23 de Julho de 2014 às 01:14:08

"Reitoria não apoia e esconde pesquisas feitas dentro da Ufac", diz Edson Guilherme












"Se eu fosse o professor Jonas, durante a SBPC, colocaria um cadeado na porta do laboratório para protestar contra o descaso com o qual fomos tratados"

Em entrevista ao Jornal da Adufac, o professor Edson Guilherme, coordenador do laboratório de Ornitologia do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza da Universidade Federal do Acre (Ufac), aproveita a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que começa nesta terça-feira, em Rio Branco, para criticar a situação da pesquisa na universidade.

- O que vai parecer para as pessoas que virão ao Acre participar do SBPC é que temos uma Universidade linda, eu também concordo, mas isso porque irão observar apenas a parte estética da Ufac, agora, se eles perguntarem sobre a situação da pesquisa na Instituição, ficarão decepcionados.

Edson Guilherme lamenta que o Laboratório de Paleontologia não esteja incluído na programação da SBPC por ter sido considerado desnecessário. Ele chega a defender a instalação de cadeado na porta do laboratório, durante a reunião da SBPC, para protestar contra o descaso com o qual foram tratados pela organização local do evento.

- Veja bem, o congresso é da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, eu já participei de alguns congressos da SBPC em diversas universidades brasileiras e sempre as vi divulgando suas pesquisas. Trata-se de uma forma de mostrar aos visitantes o que a universidade está pesquisando, mas aqui acontece o contrário, pegamos o nosso maior laboratório, aquele que tudo que é turista que vem ao Acre fica curioso para conhecer, pois é lá que estão os fósseis de animais pré-históricos gigantes, tais como: o maior jacaré do mundo (Purussaurus), a preguiça gigante, o maior jabuti do mundo, e dizemos que a programação está fechada e que ele não é necessário. O mais estranho é que o Reitor vai à mídia e diz que a universidade está em festa, que os coordenadores dos laboratórios estão felizes, que a pesquisa vai dar um salto após a SBPC, que o Acre é uma área de maior biodiversidade do planeta, mas não apoia e nem pretende mostrar as pesquisas feitas dentro da própria Instituição.

Veja a entrevista a seguir:

Quem é Edson Guilherme?

Sou paulista de nascimento, mas de família mineira. Deixei minha terra natal para viver no Acre por opção e me considero uma pessoa feliz. Acredito que todos que estão aqui na Ufac nos últimos 23 anos (de 1991 a 2014) já devem ter me visto com um binóculo no pescoço e uma câmera fotográfica na mão, andando pelo Campus. Estou na Ufac todos os dias, inclusive nos fins de semana, os vigilantes do Campus e PZ são testemunhas disso. Não estou aqui por obrigação, mas por gostar do que faço. Por ter amor pela biologia e trabalhar sem pensar em cargo político ou em aumentar minha renda mensal. Leciono e faço pesquisa porque gosto. Quem me conhece de perto ou que já foi meu aluno(a) sabe do que estou falando.

Quando o senhor começou a trabalhar na Ufac?

Comecei a trabalhar com aves na Ufac na década de 1990, quando era estudante de biologia. Foi um período difícil porque não havia especialista em aves na Ufac e nem no Acre para me orientar, meu orientador foi o Prof. Dr. Jean Claude Yves Bocquentin, um francês que era professor visitante da Ufac e que era especialista em vertebrados fósseis. Ajudava-me da maneira que podia. Todo meu equipamento eu comprava com o dinheiro do bolso. Nunca desisti por causa das dificuldades. Só achava que um dia as coisas poderiam melhorar. Por isso, prossegui. Terminei a graduação e fui para o Mestrado e depois para o Doutorado. Hoje fico feliz de saber que a ornitologia (o estudo das aves) no Acre está estabelecida e que estamos formando ornitólogos desde a graduação até o mestrado.

Que tipo de problema pode ocasionar a falta de um laboratório?

Durante meu doutoramento (2005/2009), depositei todo o material científico que coletei, mais de 2.000 peles de aves, no Museu Paraense Emílio Goeldi, porque aqui na Ufac  não havia um espaço adequado para o armazenamento deste importante acervo. Ao retornar da pós-graduação, tive uma reunião com o diretor do CCBN na época e expus o problema. Solicitei do Centro um espaço para que eu pudesse dar continuidade às minhas pesquisas com Aves. O então diretor do Centro, Prof. Moisés Barbosa, ficou sensibilizado com a questão, porém me informou que infelizmente a minha situação não era única e que o Centro não dispunha de espaço. Foi então que, para não parar com tudo, consegui um espaço minúsculo que era utilizado pela equipe de Paleontologia como sala de reuniões e biblioteca.  Desde 2009, este é o local onde está instalado o Laboratório de Ornitologia (Ornitolab). O problema é que este espaço funciona em uma espécie de depósito insalubre e sem nenhuma condição de trabalho. Não temos local para guardar as peles de aves taxidermizadas, não temos pias nem bancadas para taxidermia, manipulação e anilhamento das aves. Também não há espaço para atender os estudantes, o pouco equipamento que temos é resultado de um pequeno projeto que fiz para o CNPq, de pouco mais de 30 mil reais, que, depois de aprovado, o CNPq depositou na minha conta, e eu então pude comprar os armários que hoje servem para guardar a coleção científica de Aves da Ufac.

Vocês realizaram algum movimento junto à direção da universidade, no sentido de resolver a difícil situação dos laboratórios da Ufac?

Em 2011 nós fizemos parte de uma equipe coordenada pelo Prof. Dr. Lisandro Juno - atual Coordenador do Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MECO) da Ufac - que elaborou um projeto de ampliação do bloco de Laboratórios do MECO. Neste projeto estavam contemplados dois laboratórios, um de entomologia, do Prof. Elder Ferreira Morato, e outro de Ornitologia, coordenado por mim. Este projeto foi aprovado pela FINEP no edital Proinfra/2011. Os recursos foram da cifra de R$ 1.605.003,00; o problema foi que o dinheiro foi liberado, mas a Ufac não executou, por problemas que eu desconheço. Há dois meses enviei um documento para o reitor (que ainda não foi respondido pela reitoria) solicitando informações, perguntando sobre o resultado do projeto e informando que a minha equipe é composta por oito pessoas sendo quatro estudantes de mestrado, três bolsistas de iniciação científica/CNPq e uma voluntária. Neste ofício eu informo que estamos entulhados em uma salinha emprestada da paleontologia medindo 7x3m metros e peço algum tipo de providência do Magnífico Reitor. Infelizmente, até hoje não recebi nenhum tipo de resposta.

Então o problema não é resolvido devido a falhas ocorridas na própria instituição?

Este ano, dois discentes que ingressaram no curso de biologia vieram me pedir para estagiar no Laboratório de Ornitologia, e tive que recusar por falta de espaço. É difícil ter que recusar alunos pela simples falta de um local adequado para trabalhar.  A questão central é que não ficamos parados esperando o dinheiro cair do céu, o projeto foi feito, o dinheiro foi liberado e voltou. Já estamos em 2014 e nunca fomos procurados para perguntar se precisávamos de um alfinete. Aqui nunca passou ninguém! A Ufac não conseguiu executar o projeto de construção e nós estamos sem laboratório por problemas que advêm da própria administração da Instituição.

Como o senhor acha que a Ufac vai apresentar a situação de seus laboratórios, para os cientistas do Brasil inteiro, que virão para a Reunião da SBPC?

O que vai parecer para as pessoas que virão ao Acre participar do SBPC é que temos uma Universidade linda, eu também concordo, mas isso porque irão observar apenas a parte estética da Ufac, agora, se eles perguntarem sobre a situação da pesquisa na Instituição, ficarão decepcionados.

O senhor poderia exemplificar?

Por exemplo, peguemos o caso do maior e mais famoso laboratório desta IFES, o laboratório de Paleontologia. O professor Jonas (coordenador deste laboratório) juntamente com o professor Carlos Garção, Diretor do CCBN, pediram uma reunião uns meses atrás com a vice-reitora para perguntar se tinham interesse em expor a coleção de fósseis do laboratório durante a SBPC. Por incrível que pareça, ouvi deles que durante a reunião foi colocado que o Laboratório de Paleontologia da Ufac não estava incluído na programação da SBPC. Em resumo, o que eu fiquei sabendo da reunião (porque não participei) foi que a programação estava fechada e que a coleção do laboratório não foi incluída.

A Ufac vai esconder os seus cientistas durante a SBPC?

Veja bem, o congresso é da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, eu já participei de alguns congressos da SBPC em diversas universidades brasileira e sempre as vi divulgando suas pesquisas. Trata-se de uma forma de mostrar aos visitantes o que a universidade está pesquisando, mas aqui acontece o contrário, pegamos o nosso maior laboratório, aquele que tudo que é turista que vem ao Acre fica curioso para conhecer, pois é lá que estão os fósseis de animais pré-históricos gigantes, tais como: o maior jacaré do mundo (Purussaurus), a preguiça gigante, o maior jabuti do mundo, e dizemos que a programação está fechada e que ele não é necessário. O mais estranho é que o Reitor vai à mídia e diz que a universidade está em festa, que os coordenadores dos laboratórios estão felizes, que a pesquisa vai dar um salto após a SBPC, que o Acre é uma área de maior biodiversidade do planeta, mas não apoia e nem pretende mostrar as pesquisas feitas dentro da própria Instituição.

Mas os professores da Ufac foram convidados a participar?

Eu tive o cuidado de perguntar a outros coordenadores se eles foram chamados para alguma reunião ao menos para apresentar um banner do seu laboratório durante a SBPC. Todos disseram que não foram chamados.  É triste ver que um laboratório como o de paleontologia, que há 30 anos produz ciência no Acre, não é priorizado em um encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Se eu fosse o professor Jonas, durante a SBPC, colocaria um cadeado na porta do laboratório para protestar contra o descaso com o qual fomos tratados.

O que o senhor tem a dizer sobre o Museu Universitário da Ufac?

O Museu Universitário foi criado em 30 de outubro de 2008 como um órgão integrador da Universidade com a finalidade de fortalecer as atividades de pesquisa, extensão e ensino. Durante a gestão anterior nós juntamente com outros representantes da pesquisa da Ufac, fomos chamados à Reitoria para discutir a construção do bloco do Museu Universitário. Segundo então a Reitora o dinheiro para construção estava garantido.

E o que foi discutido nessas reuniões?

Em duas reuniões discutimos por mais de quatro horas como seria esse prédio, com uma sala ampla de exposição para receber visitantes e alunos das escolas de Rio Branco e do estado do Acre. Também deveria ter os prédios anexos (setoriais) para abrigar as coleções científicas. Estávamos todos animados com a ideia de termos um museu para expor os resultados de nossas pesquisas e coletas. Por motivos que desconheço, este prédio não saiu naquela gestão.

Mas se o museu foi criado em 2008, onde ele está funcionando?

Hoje, a única coisa que existe do Museu é o seu Conselho Curador e as coleções científicas espalhadas em diversos setores da Ufac.

Quem é o responsável pelo Museu?

Na gestão anterior o Diretor do Museu teve um cargo comissionado. Funcionava sem sede, mas com um Diretor que ainda tinha algum estímulo. Contudo, o golpe de misericórdia foi dado quando a função gratificada de Diretor do Museu ainda naquela gestão foi tirada e transferida para outro setor. Outro problema é que o museu não faz parte da matriz orçamentária da Universidade. Isso significa que não se pode pedir uma caneta ao setor de material.

O senhor acha que a universidade poderia utilizar que recursos?

Veja bem, ouvi em uma entrevista que a Ufac recebeu cerca de 30 milhões de reais para investir no Campus. Será que neste valor não poderia ter sido priorizado um bloco para abrigar o Museu Universitário? Não seria importante para a Ufac ter um espaço para apresentar os resultados de suas pesquisas? A SBPC está aí e não vamos mostrar nada? A impressão que dá é que estão colocando o confeite sem verificar se o bolo está assado.

E o Parque Zoobotânico, professor, qual a importância dele para a Universidade?

Sobre o Parque Zoobotânico eu preciso ressaltar a sua importância devido à alta diversidade de espécies de animais e plantas que abriga. Em relação a minha área de estudos, nos últimos 20 anos de pesquisa já registramos cerca de 204 espécies de aves no perímetro formado pelo Parque e Campus da Ufac em Rio Branco. Isso é uma riqueza de espécies espetacular, se consideramos o pequeno fragmento que é o Parque Zoobotânico. No ano passado eu publiquei um artigo em um jornal local falando da importância do PZ e das ameaças que o cercam. Nesse artigo eu ressalto que duas espécies de aves recém-descritas para ciência ocorrem no Parque; que uma espécie de ave foi fotografada pela primeira vez em território brasileiro dentro do PZ. Além disso, existem ao menos 30 espécies de aves no Brasil que, se alguém quiser fotografar, vai ter que vir ao Acre, e cerca de 10 delas estão presentes no PZ. Muitos observadores de aves de todo o Brasil já começaram a perceber isto e estão vindo ao Acre para fotografar tais espécies. Imagine ter a oportunidade de fotografar uma espécie rara em um fragmento urbano, estando hospedado em um hotel do lado da Universidade? É tudo o que os observadores amadores de aves procuram. E o PZ e outros fragmentos florestais como o Parque Chico Mendes em Rio Branco têm isso para oferecer. É importante dizer que esses turistas vêm ao Acre para fotografar aves e gastam dinheiro aqui.

Mas o parque está geograficamente isolado, isso não traz riscos para sua sobrevivência?

Essa eu considero uma luta quase inglória, desde 2001 que eu alerto que o parque está isolado de outras áreas florestais, isso devido a um desmatamento realizado já há mais ou menos trinta anos nas margens do igarapé Dias Martins. O grande problema advindo desse desmatamento é que esse isolamento pode ser a causa do aparecimento de doenças nas aves. Por que isso acontece? Vou dar um exemplo: Se em uma família se casar sempre primo com primo, as doenças dessa família vão aparecer com mais frequência por causa da consangüinidade; com os animais não é diferente: se você cruza sempre os animais parentes, a consanguinidade irá também potencializar o aparecimento de doenças inerentes à genética dos envolvidos, e isso vale para qualquer grupo, seja para aves, seja para mamíferos. Outra coisa que se tem de salientar é que a extinção das aves irá necessariamente prejudicar as árvores, pois algumas destas dependem das aves para polinização das flores e dispersão das sementes. Por exemplo, sem os beija-flores algumas árvores frutíferas que dependem destas aves para polinização das suas flores não produzirão frutos. Como em todo ecossistema, uma espécie depende da outra, daí, sem frutos, alguns mamíferos (como os macacos, as pacas e as cutias) não terão o que comer.

Essas consequências já estão aparecendo?

Durante nossas pesquisas no Parque Zoobotânico, já encontrei animal com tumor no olho e com tumor na cabeça. Estas moléstias eu tenho visto no dia a dia. As causas podem ser diversas, mas não podemos descartar o isolamento. Como ornitólogo eu não posso deixar de divulgar esta questão porque tenho o dever moral de zelar pelo bem-estar do objeto do meu estudo, no caso, as aves. Fico pensando, se as aves estão com problemas, o que não deve estar acontecendo com os mamíferos?

O que a universidade precisaria fazer?

O que a Universidade precisa compreender é que o PZ é um laboratório natural muito importante para os cursos de Biologia, Engenharia Florestal e Agronomia. Por isso, mesmo que se urbanize ao redor daquela área, ela jamais poderá ser desmatada. Isso se a Universidade quiser que o PZ sobreviva. É preciso que a Universidade compreenda que o PZ é um patrimônio dos munícipes de Rio Branco e que ele (o Parque) ajuda de forma decisiva na formação dos nossos estudantes.

Em relação a essa questão do PZ, eu não chamo atenção só da Ufac não, falo também da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, da Secretaria de Estado de Meio ambiente e do IBAMA, a quem cabe fiscalizar e aplicar a lei. Se estes órgãos se juntarem, em um curto espaço de tempo essa questão do isolamento estará resolvida. Ainda há tempo de recuperar os 30 anos de desmatamento das margens do Dias Martins.

O certo é que se não fizermos nada agora, daqui a algumas gerações, o PZ será um depósito de árvores sem animais vertebrados no seu interior. É isso que queremos para os futuros estudantes e munícipes? Ou a Universidade, junto com a sociedade, recompõe aquela mata ciliar do Igarapé Dias Martins, adjacente ao PZ, ou o futuro continuará sombrio e incerto para a fauna e a flora da maior área verde do perímetro urbano de Rio Branco.

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