Notícias

A luta pela educação pública no Chile em tempos de Copa do Mundo. Mas ainda temos tempo de Copa. Quem sabe não teremos uma surpresa com nossos atletas postando fotos com camisas em defesa do ensino público, gratuito, de

28 de Junho de 2014 às 14:08:36











Jogadores chilenos postaram em rede social foto de apoio à educação de seu país (Foto: Arquivo Pessoal/Valdívia )



Para além do jogo de futebol entre Brasil e Chile, existem muitas histórias de lutas e solidariedades entre estes dois países que estão distantes dos gramados de futebol, passando por histórias de resistências e perseguições políticas. Ainda temos muito que aprender sobre a luta que o povo chileno travou contra a ditadura nos anos de 1970 e 80, que assolava não só o Chile, mas quase toda a América do Sul. Sobre o papel da Operação Condor, uma associação criminosa entre governos militares da América do Sul, com apoio do governo dos Estados Unidos da América, para perseguir, prender e assassinar dirigentes políticos de esquerda que lutavam contra as ditaduras impostas a brasileiros, chilenos, argentinos e uruguaios.

O mesmo Chile que recebeu de braços abertos exilados brasileiros, que perseguidos no Brasil pelo governo militar, encontraram no Chile e nas universidades chilenas o espaço e apoio para reconstruir suas vidas. Entre as personalidades brasileiras que um dia foram recebidas pelo Chile estão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador de São Paulo, José Serra. Além dos dois já citados, outros tantos milhares de brasileiros foram recebidos pelo governo e povo chileno a partir dos anos 60, fugindo das perseguições políticas a que estavam sendo submetidos no Brasil.

Naquele momento, o Chile era governado pelo presidente Salvador Allende, que havia chegado ao poder de forma democrática e pelo voto popular, e começava a sua luta contra séculos de dominação de algumas famílias sobre o Chile. Em 2013, o Chile e o mundo lembraram a data que interrompeu este projeto com o Golpe Militar e a morte de Allende, que lutou até o último minuto dentro do Palácio do Governo para manter o seu mandato e a luta contra os militares que tentavam derrubá-lo e o projeto de mudança social que avançava no Chile.

Em um discurso emocionado, o presidente do Partido Comunista Chileno, Guillermo Teillier, lembrou o papel de Allende, que, segundo ele, transcendeu o Chile. Allende chegou à América Latina. Já não está a olhar a América Latina para a Europa para produzir mudanças, mas a Europa está olhando para a América Latina, para resolver sua própria crise política e econômica. A América Latina é hoje um continente repleto de novas ideias, novas fórmulas, unidade de forças políticas e sociais que buscam ter a sua própria identidade, sem a intervenção dos EUA, que por quase um século interferiu política e economicamente nos países sul-americanos.

O Chile que lembra Allende, que lembra as lutas populares, voltou a se movimentar nos últimos anos, com o embate dos estudantes em defesa do ensino público, gratuito de qualidade. Desde junho de 2011, as manifestações em defesa da educação pública começaram a sacudir o país. O centro das reivindicações é a estatização dos estabelecimentos de ensino, a garantia de mais recursos para a educação e reformas profundas no sistema de ensino chileno.

A luta dos estudantes chilenos é tão forte, que no dia 5 de junho, o técnico da seleção de futebol do país, Jorge Sampaoli, se reuniu com o grupo de manifestantes em defesa do movimento de defesa da educação pública, e logo em seguida publicou uma foto com a camiseta dos estudantes com o lema "Todo Chile pela educação pública". Segundo Nashla Aburman, presidente da Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile, a ideia era dar apoio à seleção do Chile, pois os dois temas unem o país, educação e futebol. Alguns dias depois, o meia chileno Valdivia, jogador do Palmeiras no Brasil, postou uma foto sua e de outros jogadores em uma rede social com a camisa entregue pelo movimento, com a frase "Todo Chile pela educação pública".

A diferença entre os jogadores e o técnico chileno em relação à seleção brasileira é brutal. No caso do time brasileiro, mesmo com protestos de professores e estudantes no Rio de Janeiro, no dia da apresentação do time, nenhum jogador ou membro da comissão técnica apareceu para conversar com os manifestantes ou se pronunciou sobre a luta pela educação publica e de qualidade travada no Brasil. A diferença entre os dois países é que, aqui, a educação ainda não unifica o país, como o futebol o faz. Para muitos jovens brasileiros, o futebol ainda é visto como um fator de ascensão social mais promissor que a educação, que ainda exclui, como no Chile, milhões de jovens do direito à educação pública, gratuita e de qualidade. A diferença, no caso dos atletas chilenos, é a clareza do seu papel nesta luta, que é de todo povo chileno. Aqui, no Brasil, ainda estamos distantes desta compreensão por parte dos nossos atletas, que acham que esse problema não é deles, e sim de quem se manifesta por direitos universais como saúde, educação, segurança, emprego, cultura.

Mas ainda temos tempo de Copa. Quem sabe não teremos uma surpresa com nossos atletas postando fotos com camisas em defesa do ensino público, gratuito, de qualidade e direito de todos. Sonhar não custa nada. Aqui, os estudantes da Unicentro continuam a sonhar e lutar por um direito básico, o de ter um restaurante universitário público, nas dependências da universidade pública. Quem sabe um jogador do Paraná não veste uma camisa e posta nas redes sociais como fizeram os chilenos, defendendo no Estado o direito à educação pública de qualidade e totalmente gratuita, incluindo alimentação, moradia e transporte.

Professor Dr. Hélvio Alexandre Mariano

Departamento de História

Unicentro (Guarapuava)

Fonte: Jornal Diário de Guarapuava