Crescem as denúncias de sexismo na UFRJ por parte de docentes e estudantes
25 de Junho de 2014 Ã s 18:01:06Coletivo de mulheres da universidade lista casos que envolvem estudantes e professores da instituição
A partir da ampla divulgação e repúdio a uma imagem com apologia ao estupro noticiada na edição nº 846 do Jornal da Adufrj, Seção Sindical do ANDES-SN, vários casos de sexismo tornaram-se públicos na UFRJ. "Essa imagem foi compartilhada na internet e muitas piadas foram feitas. Alguns meninos diziam que era brincadeira, mas violência não é brincadeira", afirma Josi Oliveira, integrante do Coletivo de Mulheres da universidade.
Estudante da Faculdade de Educação, ela diz que, apesar dos esforços dos movimentos, os casos de machismo não têm sido solucionados. Para ela, o problema está na ausência de posicionamento da UFRJ: "sentimos muita falta da instituição. Fazemos a denúncia, mas a reitoria não assume para si a necessidade de combater essas práticas na universidade", criticou.
No fim de maio, o Coletivo divulgou nota em que acusa nominalmente o professor Pedro Ivo Salvador, do Departamento de Matemática Aplicada da UFRJ, autor do artigo "Restringir a demanda é importante", veiculado em seu blog pessoal. Em um dos trechos, após dizer que restringir a demanda aumenta o valor de um produto, o docente afirma: "sendo assim, uma mulher que restringe a demanda, se relaciona com muitos poucos sortudos, em termos econômicos possui um preço elevado. Contudo, há uma tendência feminista de dizer que mulheres devem aproximar seus comportamentos e padrões morais ao dos homens. Ou seja, não restringir sua demanda. (...) Logo, ao reduzir a restrição da demanda, ela estará reduzindo seu preço...".
Outro professor também citado na nota do Coletivo é Bernardo Santoro, substituto dos cursos de Direito da Uerj e da UFRJ, que divulgou em seu perfil do Facebook um texto em que agradecia ao feminismo por ter proporcionado sexo sem compromisso para os homens. "Depois do feminismo, da revolução sexual e da pílula, nunca foi tão fácil ter uma mulher sem nenhum compromisso. Basta uma cantada â??mais ou menosâ?? para pegar a garota e insistir um pouquinho para conseguir arrastar pro motel logo na primeira noite", dizia um trecho. Santoro pediu exoneração do cargo de professor substituto da Uerj, mas voltou atrás na decisão.
Professores se defendem
Procurado pela reportagem, o professor Pedro Salvador disse, por e-mail, que não tomou conhecimento da nota divulgada pelo Coletivo de Mulheres da UFRJ, mas que recebeu "comentários e mensagens agressivas" pela publicação do artigo. Afirmou, ainda, que em seu texto não compara mulheres a bens e responsabilizou também as mulheres pela propagação da violência: alega que são elas que criam os "pequenos machistas".
Já o professor Bernardo Santoro, que comentou em alguns veículos de comunicação que seu texto se tratava de uma brincadeira, disse à reportagem do Jornal da Adufrj que retirou o post do ar por razões pessoais. Perguntado se ele também considera piadas homofóbicas e racistas como brincadeiras, o docente defendeu a liberdade de opinião: "certamente ficaria ofendido se fizessem piada com minha origem indígena, mas não faria uma â??caça às bruxasâ?? contra tal pessoa. Tolerância com o diferente é a base da democracia".
Falso humor
Pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos (LADIH/UFRJ) e aluna de pós-graduação da Faculdade Nacional de Direito, Heloisa Melino considera que a violência simbólica se constrói com a naturalização da violência: "é muito comum, principalmente, o discurso de â??isso é só uma piadaâ??. Precisamos combater a violência simbólica do discurso de humor, pois é a forma mais sutil pela qual se propaga a ideia de que as mulheres são menos capazes, menos inteligentes, menos hábeis, menos úteis. É esse discurso que faz com que haja diferenças de salário, que faz com que os homens achem normal passar a mão em uma mulher, assediá-la verbalmente ou â??encoxá-laâ?? no metrô. â??É só piada. É só elogioâ??. Não, a morte de mulheres não tem graça, estupro não é engraçado".
Heloisa milita no grupo Universidades Feministas, que engloba Uerj, UFRJ e PUC, além de compor o Coletivo de Mulheres da UFRJ. Sua experiência tem mostrado que os casos mais recorrentes nas universidades são de agressões verbais e perseguição a mulheres. "Procuramos manter um espaço seguro para denúncias sobre estupro, sobre agressões físicas, para que mulheres dividam suas histórias e possamos nos fortalecer umas às outras".
Buscar apoio é o primeiro passo, na opinião da pesquisadora, para enfrentar os casos de opressão na universidade: "eu incentivo a procurar primeiro o apoio de pessoas e de coletivos feministas e só depois acionar a instituição de ensino, porque não existe imparcialidade, e o machismo também está nas estruturas das universidades, de forma que alunas ou alunos sozinhos podem ser silenciados".
Confira a entrevista completa com a pesquisadora
Violência simbólica é reflexo da sociedade
De acordo com a decana eleita do CFCH, professora Lilia Pougy, os episódios recorrentes de machismo e outras formas de opressão estão cada vez mais vivos na sociedade como um todo. "O machismo faz parte de uma estrutura patriarcal, que ainda domina nossa sociedade. Esse conceito pode parecer ultrapassado, mas tem grande vitalidade. Por isso, é â??naturalâ?? que essas práticas se reproduzam na universidade. A sociedade tem renovado as formas de dominação, dentre elas a violência simbólica que reduz o outro, seja pelo machismo, pelo racismo, pela homofobia."
A recorrente contraposição entre machismo e feminismo, como conceitos antagônicos, para a professora, além de gerar grande confusão, ignora a relação de busca por direitos e organização social: "é uma grande excrescência! Não há antagonismo. Enquanto o machismo está associado ao patriarcado, o feminismo engloba diferentes pensamentos, filosofias, práticas que se unem na busca pela ampliação de direitos", disse Lilia (da Escola de Serviço Social), que tem a "violência de gênero em tempos de Lei Maria da Penha" como uma de suas linhas de pesquisa.
Ela criticou a postura de ridicularização do movimento feminista: "chamar feministas por estereótipos, como aquelas que queimam sutiã ou dizer que são histéricas, fecha o diálogo. As polarizações são inférteis, não levam a nada. Somos todos seres humanos tentando caminhar na direção dos avanços sociais e da conquista de direitos".
Reagir é fundamental
Lilia Pougy afirma que reagir à violência de gênero se faz cada vez mais importante, mas que ela não ocorre somente com a denúncia: "é fundamental fazer barulho, expor o agressor, mas infelizmente pode haver também uma reação de introspecção e adoecimento da vítima, o que é muito comum". Ela foi veemente na crítica a posturas que desconstroem avanços sociais: "é lamentável que na universidade, que é espaço de criação e liberdade de pensamento, aconteça esse tipo de situação. É preciso levar em conta princípios, dentre eles o respeito ao coletivo, e isso não se constrói com situações de opressão".
A universidade, para a decana, precisa se posicionar: "isso deve ser levado aos colegiados superiores. É preciso coletivizar essas questões e não particularizá-las. Há uma questão social que precisa ser tratada no escopo da política acadêmica. Outro caminho é a denúncia para a Ouvidoria da UFRJ, que aciona os dirigentes e pode dar encaminhamento a esses tipos de ações. A gente precisa intervir institucionalmente, mas esse não é o papel apenas dos dirigentes. É papel de todos os servidores públicos".
* Com edição do ANDES-SN
* Foto: Samuel Tosta - 12/06/2014