50 anos do Golpe de 64. Pesquisas mostram controle dos militares sobre o cotidiano da FAFIG (Faculdade de Filosofia, CiĆ
30 de MarƧo de 2016 Ć s 11:48:26Imagine um ambiente de ensino universitário no qual o comportamento dos estudantes e professores era monitorado a todo o momento. Esta era a realidade das primeiras turmas da Fafig (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava). Os relatos daqueles que viveram a época mostram que, diferente do que se pode pensar, a cidade também conviveu com o controle exercido pela ditadura.
Quando o Golpe Militar aconteceu, em abril de 1964, o município possuía aproximadamente 100 mil habitantes, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Seis anos depois do golpe, na chamada “Era de Chumbo”, entre os anos de 1970 e 1973, surgia a Fafig, instituição que seria uma das precursoras da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), juntamente com a Fecli (Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati).
A pesquisadora e pedagoga Júlia Cristina Manfio, autora do estudo “Educação e repressão: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava em tempos de ditadura militar”, escrito em 2013, analisa como ocorria o controle da formação de professores, dos métodos de trabalho e a relação entre discentes e docentes no início da faculdade.
Em outra pesquisa, “Ensino de Chumbo: Memórias, Temores e Silêncios na Fafig (1970-1973)”, o professor de filosofia Airton Luiz Cornehl falou sobre o fato. O estudo foi escrito pelo mestre em Educação, professor Ernando Brito Gonçalves Junior, em 2007, como trabalho de conclusão da licenciatura em história, pela Unicentro.
Para Gonçalves Junior, os relatos demonstram que o município não passou incólume pela repressão. Durante as pesquisas, não houve relatos sobre a ocorrência de tortura física em Guarapuava aos pesquisadores. Mas o cerceamento a pensamentos divergentes da ideologia militar existia.
Relatos de tensão, medo e espionagem em salas de aula
Em um dos inúmeros relatos contidos no livro “Ensino de chumbo…” o entrevistado relata:
“Eu tive um fato muito pitoresco na minha turma de História. Então recém o Nivaldo Krüger tinha deixado a prefeitura de Guarapuava, quem tinha assumido era o Moacyr Silvestre, começaram politicamente alinhados, depois eles romperam. O Nivaldo Krüger, ele ficou no MDB, e com certeza era oposição ao governo Estadual e Federal. E o Moacyr Silvestre não, ele se alinhou com o poder reinante da época. Então por coincidência estavam na minha turma a secretária de educação do ex–prefeito Nivaldo Krüger e a atual secretária da educação do Moacyr Silvestre, a professora Abadia Teresinha Jacob. A professora Abadia Teresinha Jacob era uma figura. Ela tinha uma fixação por coronéis que comandavam o Exército. Então qualquer coisa que você falasse na sala de aula, ela era um agente dentro da sala de aula, que ela dizia, eu vou contar para o coronel, eu vou por no Jornal. Então ela coagia, era a personalidade dela, não que ela tivesse, eu não acredito que ela tivesse fundamentação teórica ou motivos, era o simples fato de estar usufruindo o poder naquele momento, e talvez por, eu não queria dizer ignorância. Mas ela se portava de uma posição superior porque ela era amiga do coronel. Então durante os quatro anos da Faculdade eu fiquei ouvindo, que quem não fizesse as coisas nos conformes, ela aí contar para o coronel, só não sei se o coronel sabia que ela era tão amiga dele (SILVA, 2007)”.
O professor Humberto Limberger, quando questionado sobre o mesmo assunto, comentou: “No aspecto político a coisa era muito vigiada, censurada”. “Mas era em EPB que a gente sentia mais a barra. Até quem trabalhava comigo era o Professor Bernardo, ele teve problemas com o nosso Exército aqui, ele teve que se explicar uma vez”.
Em entrevista com três professores da época, a pesquisadora Júlia Manfio relata em sua pesquisa: “os relatos da orientação dos conteúdos por parte dos militares eram variados – da formatação das disciplinas ao controle em sala de aula. Inclusive um deles, o professor Airton Luiz Cornehl, que ministrava a disciplina de História da Fiolosofia à primeira turma de história, mencionou um episódio no qual foi intimado a comparecer ao 26º GAC (Grupo de Artilharia de Campanha) para explicar-se sobre uma aula.
“A liberdade era relativa. Principalmente eu, por estar na área de Filosofia, tinha que tomar certos cuidados. Inclusive fiz comentários, certa vez, e tive a atenção chamada pelos militares. Eles me disseram ‘sutilmente’ que certos assuntos não convinham. De certa forma, os militares da época da ditadura sabiam o que se passava em sala de aula”, disse Corehl à pesquisadora.
Segundo Gonçalvez Júnior: “… já se ouvia falar em tortura. Ele chega aqui e logo é intimado a comparecer ao quartel. O que ele poderia imaginar? Que já iriam torturá-lo, possivelmente”. Continua ele, “Muitas pessoas me falaram que não houve nada em Guarapuava, que a cidade era interiorana e, por predominar uma visão conservadora, não havia problemas com a ditadura. Mas a pesquisa mostrou justamente o contrário: de que houve repressão. Claro, não nos mesmos moldes dos grandes centros. Mas a população sentiu a reverberações da ditadura. Existia um clima de tensão”.
Havia vários estudantes na FAFIG que eram militares e, em relato de uma das estudantes da época, ela diz: “Eu acredito que só a presença dele (militar) ali já inibia qualquer manifestação. Eu acredito que existiam espiões mesmo nas salas de aula. Nós tínhamos estas notícias, de que poderia ser chamada pelo quartel, que tinha que ir ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) pegar a certidão para dar aula”.
Júlia Cristina Manfio conclui: “É algo que, por mais que tenham se passado 50 anos do golpe, ainda fica muito marcado na memória das pessoas. É importante conhecer a história deste período não só por justiça, mas para sabermos o que realmente acontecia na cidade”.
Fonte: Jornal Diário de Guarapuava com edição da ADUNICENTRO e consulta aos textos citados
Baixe na íntegra pelo link: ENSINO DE CHUMBO: memórias, temores e silêncios na FAFIG (1970-1973)
http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/207