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Uma análise da tragédia que abalou Guarapuava em junho de 2014

07 de Julho de 2014 às 00:17:22



As cenas que seguiram são inacreditáveis para uma cidade do porte de Guarapuava, milhares de pessoas em longas filas para conseguir água em fontes espalhadas pelos quatros cantos da cidade








No dia 8 de junho de 2014, o Diário de Guarapuava informava que a cidade estava ilhada por causa das fortes chuvas que atingiram a cidade. Segundo o texto do jornal, o município ficou isolado devido às rodovias interditadas, e não havia previsão para que o trânsito se normalize em nenhuma direção. Em razão dos bloqueios, as empresas de ônibus cancelaram as viagens em todas as rotas que passam ou saem de Guarapuava, com expectativa de retorno somente para o dia 10 de junho, sendo que naquele momento todos os acessos diretos para as regiões Leste, Oeste e Sul do Paraná estavam completamente interrompidas devido aos prejuízos causados pela chuva.

Além do bloqueio natural, causado pela queda de barreiras nas rodovias que cortam o município, a cidade de Guarapuava também ficou sem água a partir do dia 7 de junho de 2014, após danos nas bombas de captação de água, e para piorar a situação ninguém sabia informar quando a água retornaria ou mesmo a dimensão dos estragos, devido ao bloqueio da estrada que dava acesso ao local onde estavam as bombas, devido a um desmoronamento de terras na estrada.

Ainda no dia 10 de junho, o jornal informou à população que, com a falta de água tratada, muitas pessoas estavam recorrendo às fontes populares do município, e logo em seguida, vinha a notícia de que a água captada nesses locais não devia ser consumida, pois não há garantias de qualidade, servindo apenas para limpeza das casas e descarga de banheiros. Sem água potável nas torneiras, ou mesmo nas fontes populares, restava apenas o recurso de adquirir água mineral em mercados e distribuidoras da cidade que ainda tinham estoque da mercadoria mais valiosa naquele momento.

Rapidamente a cidade foi tomada por boatos de que algumas distribuidoras estavam vendendo água a preços muito além dos praticados no dia a dia, e uma rede de informações entre amigos passou a ser fundamental para quem buscava um simples litro com o líquido precioso, algo inacreditável em pleno século 21, mas que assistimos por vários dias na cidade de Guarapuava. Era preciso desmentidos, notas e mais notas para explicar o inexplicável, a cidade estava totalmente desprovida de água e sem um plano emergencial para resolver o problema. A solução era uma bomba substituta que viria da cidade de Curitiba, pois o problema era a estrada bloqueada.

As cenas que seguiram são inacreditáveis para uma cidade do porte de Guarapuava, milhares de pessoas em longas filas para conseguir água em fontes espalhadas pelos quatros cantos da cidade. Carros, motos, carroças, tudo era utilizado para fazer o transporte do precioso líquido. Pessoas caminhavam com baldes pelas ruas da cidade, num movimento frenético para dar conta da limpeza dos banheiros, roupas e dos estragos provocados pelas fortes chuvas. O simples ato de tomar um banho se tornou um martírio.

Como assistimos em todos os episódios de tragédias no país, um exército de voluntários rapidamente foi convocado por igrejas, obras sociais e grupos de amigos para tentar amenizar os problemas que uma parcela significativa da população viveu naqueles dias. Igrejas foram transformadas em centros de recebimento, triagem e distribuição de alimentos, roupas, produtos de higiene e água potável.

O apoio da mídia local foi fundamental para esclarecer a população sobre os acontecimentos, informando rapidamente o que acontecia, onde e como ajudar, caminhos a serem evitados, perspectivas de retorno da água e até mesmo da possibilidade de novas chuvas atingirem a região nos dias que se seguiram ao caos instalado na região.

Vivemos nestes dias o que o historiador e professor do Departamento de História da Unicentro, Francisco Ferreira Junior, denominou tão bem na sua obra mais recente, ao intitular a cidade como a "Prisão Sem Muros". Segundo o professor Francisco, em trecho do seu livro, "a viagem através da Serra da Esperança, na subida para o 3º planalto paranaense, entre os hoje municípios de Castro e Guarapuava, não era nada fácil no início do século XIX". Não havia estradas construídas para esse trajeto. O frio dessa região, que contrastava com o clima predominante no Brasil, também oferecia obstáculo aos colonizadores. Mas como ensina Karl Marx, a história acontece "a primeira vez como tragédia, depois como farsa", numa analogia a um evento conhecido como o Golpe de Napoleão Bonaparte que transformou a França num Império. O golpe foi a tragédia. Anos depois, outro golpe, dado pelo sobrinho de Napoleão, seria a Farsa. Para Marx, assim a história se repete, mas como farsa.

Não tenho dúvidas de que no final de semana do dia 8 de junho vivemos de fato a tragédia, porém, é preciso abrir um debate sobre tanto a tragédia como a farsa, pois num futuro, caso se repitam os acontecimentos, é preciso estar preparado para que a história não se repita e mais uma vez voltemos ao estágio inicial de uma Prisão sem Muros. O livro do professor Francisco é uma obra fundamental para entendermos um pouco mais sobre Guarapuava e pode ser encontrado na editora da Unicentro e em livrarias especializadas.

Professor Dr. Hélvio Alexandre Mariano

Departamento de História

Unicentro

Fonte: Jornal Diário de Guarapuava