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"O cowboy vai te pegar" e os dados do Ipea sobre a tolerância social à violência contra as mulheres

19 de Abril de 2014 às 18:21:29



O que chama a atenção na letra da música "O cowboy vai te pegar" é a repetição destes valores, do homem viril e da "mulher que é boa para cama"



Hélvio Alexandre Mariano




O cowboy, símbolo da virilidade, na letra nunca deixa a mulher na mão (Foto: Foto ilustrativa)



Quem assiste ao clipe da música "O cowboy vai te pegar", dos cantores sertanejos Rio Negro e Solimões, pode perceber como o modelo do homem viril ainda é forte na sociedade brasileira. Também, como a violência contra as mulheres é retratada com naturalidade em diversas músicas, vídeos, novelas, filmes e seriados da televisão. Violência esta que a pesquisa do Ipea apresentou há poucos dias, deixando aqui o debate sobre o erro de metodologia de fora, os dados apresentados precisam ser vistos com muita atenção pela sociedade brasileira, pois temos índices alarmantes que demonstram como a violência contra às mulheres ainda é tratada no Brasil.

Segundo dados da pesquisa do Ipea, "o homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia". Concordaram com esta afirmação, total ou parcialmente, 91% dos entrevistados em maio e junho de 2013 pelo Sips (Sistema de Indicadores de Percepção Social) do Ipea. Mas, segundo a mesma pesquisa, outros 63% concordaram, total ou parcialmente, que "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família", e  89% dos entrevistados tenderam a concordar que "a roupa suja deve ser lavada em casa"; e 82% que "em briga de marido e mulher não se mete a colher".

Outro dado alarmante da pesquisa é a ideia arcaica de que algumas mulheres são adequadas para o casamento e outras destinam-se somente ao sexo, que permanece em alguma medida presente. Mais da metade dos respondentes concordou total ou parcialmente com a afirmação "tem mulher que é para casar, tem mulher que é pra cama". Segundo dados da pesquisa, é comum ainda classificar as mulheres de acordo com seu comportamento sexual, avaliando-o sob a perspectiva masculina, e considerar que mulheres sexualmente livres não são boas companheiras, são ideias que evidenciam de forma gritante o sexismo presente em nossa sociedade.

O que chama a atenção na letra da música "O cowboy vai te pegar" é a repetição destes valores, do homem viril e da "mulher que é boa para cama". Analisando o vídeo de divulgação da música, é possível ver o caminhar de um homem e escutar com toda força a batida ritmada que o seu calçado faz ao tocar a estrada de terra, com seu chapéu, cinto, fivela e as esporas. O visual do homem viril fica completo, o protótipo do cowboy americano disseminado por Hollywood no século passado. O nosso não saca uma Colt 45, símbolo do cowboy americano, ele abre sua maleta e apresenta a sua arma potente, um violão e uma letra carregada de clichês sobre a virilidade do cowboy e com um refrão dizendo a todo momento  que o "cowboy vai te pegar, que vai levar a mulher para o rancho, para curtir a natureza, andar a cavalo e nadar pelado na represa e que quando a noite chegar, vai curtir demais, porque o homem viril, o cowboy vai mostrar o jeito que ele faz. O cowboy, símbolo da virilidade, na letra nunca deixa a mulher na mão (ponto que merece outro artigo) porque o cowboy nesta música seria o retrato ideal da força masculina, do homem viril que vai te pegar.

Ainda segundo a pesquisa do Ipea, o sexismo e as representações da mulher como subordinada à autoridade masculina na jurisdição do lar frequentemente se materializam em violências que atingem milhares de brasileiras cotidianamente, e músicas como esta repetem o clichê de que para ser homem, tem que mostrar a virilidade à flor da pele, dado que assusta pelos números da pesquisa divulgada e pela quantidade de pessoas que já haviam visto o filme até o dia em que este artigo foi escrito, mais de cinco milhões de acessos.

De acordo com a socióloga Claudine Haroche, Françoise Héritier "precisou somente de algumas linhas para levantar a hipótese da dominação masculina. De um modelo arcaico dominante, remontando à origem da nossa espécie, se instauravam as representações que, atuando da duração, estabeleceram formas variáveis, mas contínuas, de desigualdades profundas entre homens e mulheres". Os homens, conforme ela, exercem, através e em nome da virilidade, uma dominação insidiosa sobre as mulheres. A letra e o clipe do "Cowboy vai te pegar" contribuem em muito para a manutenção desta dominação, retratada na pesquisa realizada pelo Ipea.

Fonte: Jornal Diário de Guarapuava