O papel público dos intelectuais, por Prof. Dr. Hélvio Alexandre Mariano
28 de Fevereiro de 2014 às 03:12:49Quando desviamos o foco para o papel público do intelectual vinculado a uma universidade, entramos em um campo de contradições que são gerados pelo momento em que vive a própria instituição universidade, conforme explica o sociólogo Maurício Tragtenberg
É comum a acusação contra os intelectuais de que os mesmos vivem em uma torre de marfim e lançam sempre um olhar de sarcasmo sobre assuntos diversos, como política, educação, saúde, segurança, futebol, cinema, teatro, música. Por este motivo, sempre que um assunto importante ganha destaque na mídia, a mesma recorre a interpretações de intelectuais vinculados ou não às universidades. Desta forma, o papel público do intelectual passa a ser objeto de atenção, suas impressões sobre determinado tema e suas teorias para explicar são amplamente discutidas por um público muito maior do que seus leitores habituais.
Edward Said diz que "ao sublinhar o papel do intelectual como um outsider" relata o quão impotentes nos sentimos diante de "uma rede esmagadoramente poderosa de autoridades sociais - os meios de comunicação, os governos, as corporações, etc - que afastam a possibilidade de realizarmos qualquer mudança". Pois os intelectuais públicos, ao se recusarem a pertencer a essas autoridades, ficam isolados, às vezes relegados ao papel de registrar fatos e histórias de horror, que não seriam sequer contadas, se eles não estivem escrevendo sobre elas.
Assim, o que deveria prender o pensamento do intelectual público, segundo Said, seria na verdade "mais o espírito de oposição do que de acomodação, porque o ideal romântico, o interesse e o desafio da vida intelectual devem ser encontrados na dissensão contra o status quo, num momento em que a luta em nome de grupos desfavorecidos e pouco representados parece pender tão injustamente para o lado contrário ao deles".
Quando desviamos o foco para o papel público do intelectual vinculado a uma universidade, entramos em um campo de contradições que são gerados pelo momento em que vive a própria instituição universidade, conforme explica o sociólogo Maurício Tragtenberg, no artigo intitulado A delinquência Acadêmica. Ele apresenta no texto esta relação "entre a dominação e o saber, a relação entre o intelectual e a universidade como instituição dominante ligada à dominação, a universidade antipovo".
Seguindo o pensamento de Mauricio Tragtenberg, se a universidade está em crise, isto ocorreria porque a sociedade está em crise; através da crise da universidade é que os jovens funcionam, detectando as contradições profundas do social, refletidas na universidade. A universidade não é algo tão essencial como a linguagem; ela é simplesmente uma instituição dominante ligada à dominação.
Ora, ao afirmar que a universidade está em crise, podemos pensar que também existe uma crise do papel dos intelectuais que habitam ou circulam por este espaço público, pois muitos, ao se calarem frente aos processos de reorganização e privatização da universidade pública brasileira, acabam caindo na lógica da defesa dos grupos menos favorecidos, mesmo que este discurso acabe por pender justamente contra o lado que indicam defender.
Quando um intelectual se cala, quem perde é a sociedade, pois quando uma universidade que produz pesquisas ou cursos a quem é apto a pagá-los perde o senso da discriminação ética e da finalidade social de sua produção, ela se transforma numa multiversidade, que se vende no mercado ao primeiro comprador, sem averiguar o fim da encomenda, isso coberto pela ideologia da neutralidade do conhecimento e seu produto.
Assim, muitas vezes insensíveis ao que acontece ao seu redor, mas sensíveis ao chamamento da grande mídia, muitos desses intelectuais que compõem o corpo das nossas universidades se declaram apolíticos, distantes das lutas sociais e se isolam nas suas salas em busca de um conhecimento inatingível para a maior parte da classe trabalhadora. Assim, ao ter a chance de escrever neste espaço privilegiado, posso levar minhas reflexões para um público muito superior a dos meus habituais leitores na universidade, democratizando o conhecimento e cumprindo meu papel de intelectual público. Na próxima semana, retomo os escritos sobre cinema e literatura.
Professor doutor do Departamento de História da Unicentro em Guarapuava
h-mariano@uol.com.br
Fonte: Jornal Diário de Guarapuava