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O papel da virilidade exposta na cidade e os 16 dias de ativismo. Por Hélvio Alexandre Mariano

30 de Novembro de 2013 às 15:58:54



É preciso romper com pequenos círculos que mantêm uma versão da história, que desprezam processos paradoxais e que mantêm ativos na memória símbolos viris e antigos processos de estigmatização e de mistificação










Para o historiador francês Antoine Baecque, vivemos em um universo de arquétipos e de símbolos, cujo heroísmo é a peça fundamental da engrenagem. Para Carl Jung, o herói é um tipo ideal da vida humana e, mais ainda, um arquétipo de si. Ser um westerner é afirmar-se através da encarnação de um homem exemplar. Um cavalo, um colt, um stetson, uma roupa usada que ele veste por um longo tempo, que demonstra energia e muitos recursos, e está sempre aberto para morte. Isso, segundo Baecque, lhe confere uma virilidade monolítica e solitária, transformando-o por excelência em o macho do universo, e essa masculinidade que é encarada por tantos outros atores, inclina-se para o lado da virilidade.

Segundo Baecque, é neste universo simbólico que se constrói o mito do homem viril, lugar em que homens são homens e mulheres são mulheres. É o lugar do homem de ação, atleta do cavalo, quase-homem-centauro, vivendo da sua força física e vivendo de sua robustez na natureza hostil e por sua destreza no duelo, este homem viril possuiu uma missão: combater os civilizados corrompidos e castigar aqueles que, fora da lei, traíram o código de honra do fundador.

Em artigo publicado no dia 13 de novembro de 2013 neste jornal, a historiadora Rosemeri Moreira diz que mais uma vez às vésperas da campanha internacional sobre os "16 Dias de ativismo pelo fim da Violência Contra a Mulher", é preciso pensar com urgência sobre o lugar dos homens nesse debate. Para a historiadora, existe um silêncio quase que total dos homens sobre a violência contra mulher em Guarapuava, o que concordo plenamente, e gostaria de ir além neste debate, entrando na questão da violência simbólica que impera em ícones da virilidade masculina, no caso da cidade de Guarapuava, o mito do herói fundador, em tamanho desproporcional montado em seu cavalo, tendo a seus pés toda a sorte dos oprimidos, ou como diz Baeque, os civilizados corrompidos ou indo além, os que ousaram resistir à tomada do seu território.

Precisamos abrir este debate, da visibilidade da dominação, de colocar como natural os símbolos da virilidade em lugar de destaque nas cidades. É preciso estudar de onde vem a desigualdade entre homens e mulheres, mas é preciso ir além, é preciso combater as formas insidiosas de dominação, que prolongam este abismo da desigualdade entre mulheres e homens. É sobre esta dominação insidiosa, sobre seus modos de constituição e suas permanências que precisamos adentrar. Precisamos ir além, buscar nos julgamentos insidiosos, nos valores implícitos feitos às mulheres, muitas das causas da violência.

Para a antropóloga Claudine Haroche, as formas insidiosas da dominação masculina resultariam de uma imbricação contemporânea entre as exigências seculares da tradição viril e os princípios das sociedades democráticas de hoje. Para Haroche, quando buscamos compreender a permanência dessas formas desigualitárias, permanece posta a questão a respeito da sua origem, assim como sobre os dispositivos e os meios históricos que foram essenciais para sua perpetuação. No caso da cidade de Guarapuava, é preciso enfrentar o mito do herói viril, do colonizador macho que desbravou os campos gerais, do quase homem-centauro, atleta do cavalo.

É preciso romper com pequenos círculos que mantêm uma versão da história, que desprezam processos paradoxais e que mantêm ativos na memória símbolos viris e antigos processos de estigmatização e de mistificação. Nestes dias de ativismo, precisamos ir além e discutir o papel da violência destes símbolos viris a ocupar lugar de destaque na nossa cidade. Afinal, o homem-centauro na entrada da cidade é de bronze, mas a violência contra a mulher é real.

Hélvio Alexandre Mariano
Professor doutor do Departamento de
História da Unicentro-G


Fonte: Diário de Guarapuava