A defesa que nosso sindicato faz da autonomia universitária
30 de Março de 2013 à s 00:29:27Autonomia Universitária
A autonomia universitária, indissociável da democracia interna das IES, tem sido, ao longo da História do Movimento Docente, uma de suas principais bandeiras de luta, constituindo-se num dos princípios norteadores para a implementação do Padrão Unitário de Qualidade para a Universidade Brasileira. Da conceituação de autonomia universitária depende a definição do financiamento, da carreira docente, da política de pessoal, do regime jurídico, do processo de escolha de dirigentes, da avaliação, entre outros.
Se para a ANDES, ainda enquanto Associação Docente e, posteriormente, Sindicato (ANDES-SN) após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a luta vem sendo pautada na defesa e construção de uma Universidade que contemple, no seu caráter público, a gratuidade, a democracia, a qualidade e que seja autônoma, o mesmo não podemos afirmar em relação às propostas governamentais. Nos vários momentos históricos em que ocorreram tentativas governamentais de reestruturação da Universidade Brasileira, o cerne das propostas, como está ocorrendo hoje com o atual governo, é a autonomia universitária.
A Constituição Federal de 1988 consagrou a existência de autonomia universitária ao estabelecer em seu artigo 207: "As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". É importante salientar que este princípio era parte da plataforma definida pela ANDES, no sentido de orientar a sua intervenção junto ao Congresso Constituinte, no I CONAD Extraordinário (Brasília, 20-24/03/1987) e referendado no I Congresso Extraordinário (Rio de Janeiro, 24-31/05/1987).
Assim, as investidas governamentais em relação à autonomia universitária que antecedem e sucedem à Constituição Federal de 1988 demonstram que o papel da autonomia universitária, a sua dimensão e vinculação com a democracia, por representarem sério obstáculo à implementação do projeto político do governo, devem ser restringidos, senão abolidos.
O conceito de autonomia contido nas várias propostas geradas no seio do governo e contra as quais o movimento docente luta, no essencial, fundamenta-se na lógica de mercado, na qualidade e eficiência do sistema, na avaliação quantitativa enquanto condição para a concessão de Dotação Orçamentária Global ou Orçamento Global (com controle finalístico), reforçando a política  dos "Centros de Excelência" e do empresariamento do ensino público superior. Em síntese é a autonomia sob forma de orçamento global com controle finalístico através de avaliação quantitativa.
Quanto à democracia das IES, as propostas para a autonomia universitária não são contraditórias. Pelo contrário, se complementam. Para a implementação da autonomia pretendida pelo governo, sob a retórica do seu exercício pleno e da flexibilização da gestão, retrocede-se no que diz respeito à democracia interna. Ao governo interessa submeter os dirigentes das Instituições ao controle pleno do Poder Executivo e restringir, no âmbito interno das IES, os mecanismos democráticos de decisão, gestão e controle.
Na tentativa de implementar sua proposta de autonomia universitária, o governo vem atuando em várias frentes. Através do substitutivo do Senador Darcy Ribeiro para a LDB, de leis ( como a Lei nº 9.131/95 que cria o exame de final de curso para os alunos graduados na IES, da Lei n° 9.192/95 que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), sem esquecer decretos, portarias, instruções normativas etc., e de Propostas de Emendas Constitucionais (PEC nº 173/95 - Reforma Administrativa; PEC nº 233/95, que propõe o fim da autonomia universitária enquanto preceito constitucional auto-aplicável).
Isto está definido de forma objetiva e clara na PEC 233/95 e foi detectado e explicitado no parecer que instrui o voto em separado dado pelo Deputado Federal Hélio Bicudo, na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados. Com efeito, nesta proposta de emenda constitucional, o governo, de forma nitidamente casuística, procura, por um lado, se desobrigar de parcela crescente de suas responsabilidades (nem sempre assumidas) com a educação, jogando-as para outras esferas de governo. E, por outro, trata de restringi-la, na medida em que, no seu texto, a garantia da "autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial" é explicitamente retirada, na medida em que condiciona sua aplicação através da necessidade de regulamentação por lei ordinária. Bicudo afirma, em seu parecer, que, na proposição contida na PEC 233, "flagra-se a sanha do Poder Executivo em querer restringir direitos".
Nesta linha de análise, se apoia em José Afonso da Silva que analisa o conteúdo do artigo 206 da Constituição Federal de 1988 na seguinte perspectiva:
"(...)Â Se se consagrou a liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar, e de divulgar o pensamento, a arte e o saber, como um princípio basilar do ensino (art. 206, II), a coerência exigia uma manifestação normativa expressa em favor da autonomia das Universidades, autonomia que não é â??apenas a independência da instituição universitária, mas a do próprio saber humanoâ??, pois "as universidades não serão o que devem ser se não cultivarem a consciência da independência do saber e não souberem que a supremacia do saber, graças a essa independência, é levar a um novo saber. E para isso precisam de viver em uma atmosfera de autonomia e estímulos vigorosos de experimentação, ensaio e renovação. Não é por simples acidente que as universidades se constituem em comunidades de mestres e discípulos, casando a experiência de uns com o ardor e a mocidade dos outros. Elas não são, com efeito, apenas instituições de ensino e de pesquisas, mas sociedades devotadas ao livre, desinteressado e deliberado cultivo da inteligência e do espírito e fundadas na esperança do progresso humano pelo progresso da razão".
Ao propor a exigência de lei para a regulamentação da autonomia universitária, o Executivo está restringindo este princípio constitucional, necessário e fundamental, como visto, ao exercício do direito e garantia individual da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II)."
Ainda que se possa considerar que a visão de universidade contida no texto citado seja incompleta, frente a proposta da ANDES-SN, ele consegue mostrar a importância que a autonomia tem para o cumprimento efetivo de algumas das funções básicas da universidade e que a sua restrição implica o cerceamento de uma das liberdades e um dos direitos individuais fundamentais.
A ANDES-SN, paralelamente à luta contra as investidas do governo, vem construindo sua proposta para a autonomia universitária. Esta construção abrange não só a formulação de propostas, mas também o cotidiano da prática acadêmica. Como já mencionamos, no processo constituinte, o trabalho realizado pelas entidades no campo da educação, no sentido de garantir, na Constituição Federal, a autonomia universitária, teve como resultado o que estabelece o seu art. 207.
Sobre este artigo, havia o entendimento, não somente por parte da ANDES-SN, mas de quase todas as entidades ligadas ao setor, de que o mesmo era auto-aplicável. No entanto, interpretações jurídicas em contrário levaram a ANDES-SN a elaborar uma proposta de regulamentação da autonomia universitária.
- Proposta de Autonomia da ANDES-SN (Projeto de LDB da ANDES-SN - Rev. Universidade e Sociedade nº 1, 1991).
"Art. 70 - As universidades e estabelecimentos isolados de ensino superior públicos terão autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial com relação ao poder público, ressalvados os dispositivos constitucionais e as prescrições da presente lei.
Parágrafo 1º - A autonomia didático-científica consiste em:
I - fixar as diretrizes e os meios para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão, de acordo com o previsto no Art. 58 da presente lei e respeitadas as diretrizes fixadas pelo Conselho Nacional de Educação;
II - criar, organizar, modificar e extinguir cursos de graduação, pós-graduação e outros a serem realizados sob sua responsabilidade;
III - definir os currículos de seus cursos, observada a base comum nacional para os cursos de graduação prevista no inciso II do Art. 20 da presente lei;
IV - estabelecer o calendário escolar e o regime de trabalho didático de seus diferentes cursos, sem outras limitações a não ser as previstas na presente lei;
V - estabelecer critérios e normas de seleção, admissão, promoção e transferência de seus alunos;
VI - conferir graus, diplomas, certificados e outros títulos acadêmicos.
Parágrafo 2º - A autonomia administrativa consiste em:
I - elaborar seus estatutos e regimentos, de acordo com o estabelecido nos artigos 64 e 65 da presente lei;
II - escolher seus dirigentes, na forma de seus estatutos e regimentos e de acordo com a presente lei;
III - dimensionar seu quadro de pessoal docente e técnico-administrativo, de acordo com seu planejamento didático-científico;
IV - estabelecer a lotação global de seu pessoal docente e técnico-administrativo;
V - autorizar os docentes e pessoal técnico-administrativo a participar de atividades científicas e culturais no exterior, nos termos do seu regimento.
Parágrafo 3º - A autonomia da gestão financeira e patrimonial consiste em:
I - administrar privativamente os recursos de dotações orçamentárias globais regulares assegurados pelo poder público, preservada a isonomia de salários;
II - administrar privativamente os rendimentos próprios e o seu patrimônio e deles dispor, na forma do seu estatuto;
III - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas;
IV - celebrar contratos referentes a obras, compras, alienação, locação ou concessão, obedecendo ao procedimento administrativo de licitação cabendo aos conselhos superiores definir, em regulamento próprio, as modalidades, os atos integrantes do procedimento e os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação;
V - elaborar o orçamento total de sua receita  e despesa a partir de suas unidades básicas e submetê-lo à aprovação dos colegiados superiores competentes, de modo a contemplar plenamente as necessidades definidas nos seus planos globais;
VI - definir, em regulamento próprio, aprovado nos conselhos superiores, normas e procedimentos de elaboração, execução e controle do orçamento, realizando anualmente a prestação pública de contas da dotação e da aplicação de todos os seus recursos.
Parágrafo 4º - As universidades e os estabelecimentos isolados de ensino superior públicos poderão, no exercício de sua autonomia, tomar outras providências e decisões necessárias ao bom desempenho de suas tarefas de ensino, pesquisa e extensão, conforme o disposto no Art. 61 da presente lei."
"Art. 71 - As instituições de ensino superior têm legitimidade para pleitear em juízo a anulação de qualquer ato que implique violação do disposto nesta lei ou que obste a realização de seus objetivos."
"Art. 72 - As universidades privadas gozarão de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira em relação às respectivas mantenedoras, nos moldes estabelecidos para as instituições de ensino superior públicas".