A partir das mortes no Hospital Evangélico, artigo de diretora do Sinditest discute a raiz do problema nos hospitais escola
21 de Março de 2013 às 16:51:00"O que ocorre(u) no hospital universitário Evangélico é paradigmático, pois coloca em xeque o velamento, a responsabilidade e a ética",
por Selma Maria Lamas*
Coloca-se de imediato, quer a médica acusada esteja ou não matando os pacientes por "convicção" ou para favorecer o hospital economicamente, a questão da saúde no Brasil, com todas as suas mazelas.
Pode-se pensar neste caso, desde os esquemas de corrupção até a má gerência da coisa pública, por incompetência ou prevaricação, o que resulta no sucateamento das instituições de saúde, na precarização do trabalho e do trabalhador na esfera pública. Daí a discussão já prejudicada a respeito da realização ou não das privatizações nos diversos setores públicos.
Esse episódio nos serve então para pensar a realidade dos hospitais públicos e, no nosso caso específico, a realidade dos hospitais escola, ligados diretamente às universidades públicas.
É um engodo discutir a resolução dos problemas dos hospitais universitários, Evangélico, HC-UFPR ou qualquer outro, antes de se discutir as questões político-ideológicas envolvidas.
As diretrizes dos últimos governos no Brasil são neoliberais e, portanto, reproduzem a lógica capitalista nos serviços públicos de modo gradual (terceirizações e implantação de modelos de gestão privada). Por inação e/ou omissão dos governantes e gestores, assistimos ao sucateamento da infra-estrutura (física e humana) dos hospitais universitários, ao mesmo tempo, propaga-se um discurso de privatização como o único modo de resolução dos problemas, gerados justamente por quem se omite.
E mais: nestas instituições não são cumpridos preceitos legais, como, por exemplo, a realização dos exames periódicos dos trabalhadores. É feita a retirada indevida de insalubridade ou periculosidade dos trabalhadores dos hospitais, assim como não são respeitados muitos princípios éticos.
Precarização do trabalhador
Tudo isso culmina na precarização do trabalho e do trabalhador, engendrando o aumento de tensão que resulta no assédio moral institucional. A precarização do trabalhador, pela sobrecarga de trabalho e de responsabilidades, somado ao assédio moral institucional afeta diretamente a saúde física e mental dos trabalhadores com o aumento significativo do número de trabalhadores afastados por problemas de saúde, e, entre estes, o aumento do número de trabalhadores que apresentam ideação suicida e tentativa de suicídio.
A criação de um clima organizacional tenso e aterrorizador gera perseguições e conflitos, tanto entre os trabalhadores e os representantes institucionais (chefias, gerentes, pró-reitores etc), quanto entre os trabalhadores e o usuário do serviço (educação/saúde). No fim das contas, quem está no fim dessa cadeia de relações de poder é quem sofre as piores consequências: o trabalhador e o usuário, que diga-se de passagem, representa o maior número de pessoas, fato que vai onerar, de maneira aparentemente contraditória, o próprio serviço público, que é alvo do discurso do "corte de gastos".
O que ocorre(u) no hospital universitário Evangélico é paradigmático, pois coloca em xeque o velamento, a responsabilidade e a ética.
Assim, pode-se entender melhor o aumento da violência nas relações de trabalho, mas também nas relações interpessoais em geral, já que o adoecimento dos trabalhadores afeta sua família e sua performance no atendimento.
Esse episódio revela tanto a responsabilidade institucional na figura de seus gestores, quanto a responsabilidade de cada trabalhador. Aos gestores cabe encontrar soluções administrativas e éticas sob pena de omissão, prevaricação e conluio. Aos trabalhadores cabe a recusa de atos ilícitos e anti-éticos, além da denúncia formal aos órgãos de classe, ouvidorias e camadas hierárquicas superiores, para que nenhuma destas instâncias possa se escusar da responsabilidade, como vem sendo feito cotidianamente, ao se fazer uso de forma "inocente" da frase: "Eu não sabia..."
Desse modo, conclamamos os trabalhadores a registrar suas denúncias sob pena de cumplicidade da vileza e torpeza dos nossos gestores, das nossas autoridades. As denúncias tanto podem ser feitas individualmente quanto em grupo por local de trabalho.
Precisamos urgente vencer a acomodação e o medo diante da tirania!
Só podemos transformar a realidade agindo!
(*) Diretora do Sinditest e psicóloga