A nova política e as eleições
22 de Outubro de 2012 às 10:35:06A nova política e as eleições
ALDO FORNAZIERI - DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO - O Estado de S.Paulo
As eleições presidenciais de 2010 e as eleições municipais deste ano produziram dois fatos novos que surpreenderam analistas políticos e adquiriram o status de "fenômenos". Em 2010 a grande surpresa foram os 20% dos votos nacionais alcançados por Marina Silva, cuja candidatura estava incursa num contexto de pouco tempo de TV, escassos recursos e débil estrutura partidária, mas articulava uma rede de apoiadores ligados a causas ambientais. Em 2012 o candidato Celso Russomanno liderou as pesquisas durante quase todo o primeiro turno e obteve 21,6%. Guardadas as diferenças, em vários aspectos o candidato do PRB concorreu em circunstâncias similares às de Marina Silva. Sua principal rede de apoio foi constituída por igrejas. Religião e moral foram temas presentes nas eleições de 2010 e novamente neste ano.
É bastante discutida, no âmbito da ciência política, a tese de que está em processamento uma mudança temática dos assuntos discutidos em campanhas eleitorais. A ideia central é a de que os temas tradicionais ligados aos direitos trabalhistas, à seguridade social e à luta de classes perderam relevância. A raiz desse processo estaria ligada à emergência da globalização, à mudança do padrão produtivo relacionado à passagem da sociedade industrial para a sociedade tecnológica, ao enfraquecimento dos sindicatos fabris tradicionais e à desarticulação das comunidades de trabalhadores. Esses fatores teriam produzido um esvaziamento dos valores da solidariedade e do coletivismo.
O debate político estaria fluindo para os temas da moralidade, tais como aborto, direitos dos grupos LGBT, direitos dos animais, direitos dos consumidores, etc. Em outra frente ganhariam espaço no debate político-eleitoral os temas ambientais, as políticas de sustentabilidade e os modos do viver urbano.
Um terceiro campo da nova política se relaciona à religiosidade. O principal alerta sobre esse aspecto foi feito por Gilles Kepel, com o livro A Revanche de Deus. Segundo o autor, cristãos e muçulmanos de diversas designações e seitas (e outras religiões) estariam empenhados numa grande batalha para reconquistar o mundo, provocando forte impacto nas discussões políticas em diversos países.
A revanche de Deus articula-se e avança, em parte, nos espaços vazios deixados pelo fracasso das ideologias do século 20, pelo enfraquecimento das identidades nacionais e pela incapacidade das democracias de se anteciparam ao advento de problemas e de resolverem problemas existentes. O cientificismo racionalista da era moderna e, particularmente, do século 20 não foi capaz de dar respostas às dúvidas humanas e nem mesmo de oferecer soluções para os dramas sociais relacionados à pobreza e ao aquecimento global. Hoje praticamente a metade da humanidade vive em condições de pobreza.
Em suma, o desencantamento do mundo, promovido pela ciência e pelo Iluminismo, não foi capaz de conduzir a humanidade a um estágio de progresso, certezas e completude. A falta de respostas às angústias existenciais, a realidade carente de significados e de identidades e a escassez de recursos para atender às diversas necessidades e demandas sociais promoveram o ressurgimento das religiões, com suas pregações convincentes propondo a resignação diante dos dramas insolúveis, a busca do possível e a esperança na transcendência. As religiões, ao contrário dos partidos políticos, que se tornaram agrupamentos de interesses vinculados a uma teia de negócios privados, têm uma imensa capacidade de acolher as pessoas e de dar significação à vida comunitária.
Um quinto campo da nova política são as ações voltadas para as comunidades. Esse conceito precisa ser dimensionado em três sentidos: 1) As comunidades tradicionais, relacionadas a povos indígenas, quilombolas, ciganos, negros, etc.; 2) as comunidades novas, como as de hispânicos, judeus e asiáticos nos EUA, e as de árabes, africanos, filipinos e turcos na Europa; e 3) as comunidades urbanas, relacionadas à localização territorial de bairros e favelas. As comunidades urbanas definem-se por uma série de interações de trabalho, de cultura, de hábitos e de consumo e por valores e crenças difusos. As comunidades têm demandas políticas e necessidades de apoio e acolhimento específicas.
É de notar que as igrejas, mais que os partidos, podem ter ou têm importantes acessos a essas comunidades. Há uma espécie de confluência entre interesses e práticas comunitárias e religiosas, ao menos em muitos casos. Nos momentos eleitorais o acesso dos candidatos e partidos às comunidades diversas, de modo geral, requer a mediação de lideranças locais e de agentes religiosos. Essa circunstância aumenta o cacife eleitoral das igrejas e de seus líderes. Os partidos que articulam boas redes de transmissão com igrejas e comunidades tendem a constituir condições de vantagens eleitorais.
Este novo quadro referencial torna a ação política e eleitoral mais complexa e cria um grau de dificuldades maior para os partidos e candidatos que se pautam por condutas e por agendas laicas. Os partidos laicos tendem a ceder às tentações das políticas da moralidade, das comunidades e das religiões. Não é por acaso que se veem os partidos cada vez mais empenhados em recrutar lideranças religiosas e comunitárias.
De qualquer forma, os atores da nova política não podem ser ignorados. O temor de que eles representem uma ameaça ao Estado laico e à política republicana da não particularização do poder público tem sua razão de ser. Afinal de contas, observa-se uma vontade de poder político por parte de líderes religiosos e uma inclinação religiosa de partidos políticos. Mas, por outro lado, fica também o desafio do laicismo e do republicanismo de se reinventarem ante o esgotamento de velhas fórmulas de representação e da necessidade de novas formas de agir político.