Avaliando a Reforma da Previdência Argentina durante os anos 90. Um parâmetro para comparar com a reforma brasileira
23 de Junho de 2011 às 17:43:51Avaliando a Reforma da Previdência Argentina durante os anos 90
André Cezar Medici
Washington (DC)
Janeiro de 2003
Especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Programas Sociais (SOC), Departamento de Desenvolvimento Sustentável (SDS) do BID em Washington. As opiniões do autor não representam necessariamente o pensamento do BID. O autor agradece aos comentários de Tomás Bulat (ISALUD) e Riccardo Rietti (SO1/BID).
Índice
Lista de siglas utilizadas
1. O sistema antes da reforma 1
2. A reforma previdenciaria dos anos 90. 3
2.1 O pilar básico
2.2 O pilar complementar obrigatório
2.3 Síntese dos principais elementos da reforma
3. Evolução e crise do sistema previdenciário argentino 8
3.1 O desfinanciamento do pilar público
3.2 Os problemas do pilar de capitalização individual
3.3 Evolução do conjunto do SIJP
4. As ações apoiadas pelo BID 22
4.1 Quanto ao sistema de previdência como um todo
4.2 Quanto ao sistema de repartição
4.3 Quanto ao sistema de capitalização individual
5. Lições aprendidas 27
Bibliografia 29
Anexo estatístico do sistema de capitalização individual 31
Lista das Siglas Utilizadas
Gerais
AFP - Administradoras de Fondos de Pensión (Chile)
AFIP - Administración Federal de Ingresos Públicos (Argentina)
AFJP - Administradora de Fondos de Jubilaciones y Pensiones (Argentina).
AMPO - Aporte Medio Provisional Obligatorio (Argentina)
ANSES - Administración Nacional de Seguridad Social (Argentina)
ASI - Aposentadorias pagas com base no sistema anterior (Argentina)
BID - Banco Inter-Americano de Desenvolvimento
BU - Benefício Universal (Argentina)
CCI - Cuenta de Capitalización Individual (Argentina)
CPP - Caixas Provinciales de Pensiones (Argentina)
DGI - Dirección General Impositiva del Ministerio de Hacienda (Argentina)
FJP - Fondos de Jubilaciones y Pensiones (Argentina)
INARS - Instituto Nacional de Arrecadação da Seguridade Social (Argentina)
INJP - Instituto Nacional de Jubilados y Pensionados (Argentina)
INPS - Instituto Nacional de Previsión Social (Argentina)
PAMI - Programa de Atenção Médica Integral do INJP (Argentina)
PIB - Produto Interno Bruto
PBU - Pensión Básica Universal (Argentina)
PC - Prestación Compensatoria (Argentina)
SAFJP - Superintendência de AFJP (Argentina)
SIDIF - Sistema de Informação Administrativa, Financeira e Contábil (Argentina)
SIJP - Sistema Integrado de Jubilaciones y Pensiones (Argentina)
SSN - Superintendencia de Seguros de la Nación (Argentina)
SUSS - Sistema Único de Seguridad Social (Argentina)
Siglas dos Investimentos Utilizados no SIJP
ACC - Acciones por Sociedades Anónimas
ACP - Acciones de Empresas Privatizadas
CDF - Depósitos a plazo fijo y tasa fija
CDFA - Depósitos a plazo fijo con opción anticipada para cancelar
CDFV - Depósitos a plazo fijo y tasas variadas
CDF - Fideicomisos financieros
ONC - Obligaciones nacionales negociables especiales
OPC - Obligaciones provinciales negociables especiales
ONE - Obligaciones negociables nacionales de corto plazo
ONL - Obligaciones negociables de largo plazo
TDE - Títulos de desarrollo del comercio exterior
TEEF - Títulos emitidos por entes estatales valuados al vencimiento
TEX - Títulos de derechos de exportación
TGM - Títulos públicos municipales
TGN - Títulos públicos nacionales
TGP - Títulos públicos provinciales
TGNF - Títulos públicos nacionales valuados al vencimiento
I. O Sistema antes da Reforma
O sistema previdenciário argentino nasceu no século XIX, de forma descentralizada, através da organização de mecanismos voluntários associados a instituições mutualistas por iniciativa de grupos de migrantes ou categorias profissionais específicas. Com o crescimento das funções dos governos provinciais[1], começaram a se estruturar sistemas de pensões para os funcionários públicos. A primeira lei de pensões foi promulgada na Província de Santa Fé em 1867, a qual previa um sistema de caixas para empregados públicos, financiadas através impostos gerais da Província. Muitas experiências utilizando a mesma base de financiamento se replicaram para outras categorias profissionais da Nação e de outras Províncias, ainda que de forma restrita a funcionários públicos[2].
O sistema se ampliou em 1904, quando o governo nacional passa a legislar sobre o tema, criando mecanismos para a cobertura previdenciária de novas categorias profissionais organizadas sob um regime de capitalização coletiva, com aportes de patrões e empregados. Foram estabelecidas progressivamente 13 caixas nacionais que ofereciam aposentadorias para empregados nos setores públicos e privados e pensões para seus dependentes em caso de morte do assegurado contribuinte[3]. Dessa forma, no final da primeira metade do século XX o sistema previdenciário argentino era um dos mais abrangentes da América Latina, ainda que fosse bastante heterogêneo em termos de suas regras de contribuição e benefícios. A estas caixas nacionais se somavam os sistemas próprios para funcionários públicos provinciais e municipais que continuaram a existir ao nível local.
Dada a instabilidade econômica e a insuficiente articulação entre as receitas e despesas com benefícios, o sistema mergulhava em déficits constantes, tendo que recorrer freqüentemente ao orçamento fiscal para manter sua estabilização. Como os mecanismos de capitalização de fato não funcionaram como tais, o sistema muda oficialmente, em 1954, suas regras transformando o marco legal de capitalização em outro de repartição simples.
Durante os anos 50, o governo Perón aumentou demasiadamente os benefícios sem correspondente base de arrecadação, levando a uma profunda crise de insuficiência de fundos, a qual se procura resolver em 1960, com a promulgação de uma lei que unifica as 13 caixas existentes em 3 caixas, uniformizando por baixo benefícios, mas mantendo o sistema de repartição. Tal unificação não impediu que o sistema continuasse a gerar constantes déficits e a utilizar os aportes do Estado para estabilizar seu financiamento.
Do ponto de vista financeiro, a situação se agrava ainda mais a partir de 1968, quando são promulgadas duas leis básicas: a de No. 18.037 (que extende a todos trabalhadores formais não protegidos pelas três caixas até então existentes ao regime de benefícios da previdência social) e a de No. 18.038 (que estende o sistema de previdência social a outras categorias ocupacionais, como trabalhadores autônomos e independentes).
Essa base legal se mantém inalterada praticamente até o fim dos anos oitenta, gerando uma série de problemas onde se destaca:
- A excessiva conivência do Estado com o perdão das dívidas de empresas e dos trabalhadores autônomos, a través de anistias fiscais e privilégios;
- A enorme flexibilidade do sistema em aceitar que os benefícios fossem concedidos sem o tempo correspondente de contribuição, através do uso de mecanismos de comprovação duvidosa como é o caso da declaração jurada[4];
- A manutenção de regimes de exceção e privilégio para categorias profissionais especiais, sem uma respectiva base contributiva. Dois seriam esses sistemas: os regimes especiais e os regimes diferenciais. Os regimes especiais conferem condições especiais a algumas categorias profissionais (diplomatas e funcionários de chancelaria, juízes e magistrados, pesquisadores e trabalhadores em ciência e tecnologia, etc) tais como idades para aposentadoria inferiores e valores de benefícios maiores aos permitidos para outras categorias profissionais. Os regimes diferenciais conferem benefícios por concessão não vinculada à contribuição prévia por força de nomeação dos poderes executivos e legislativos.
As crises econômicas dos anos 80 e o processo hiper-inflacionário levaram a uma enorme perda de valor dos benefícios, empurrando o governo a iniciar uma série de reformas a partir dos anos noventa.
II. A reforma previdenciária dos anos noventa
O sistema de previdência social argentino foi objeto de reformas estruturais nos anos noventa, cujos principais passos se descrevem no quadro I.
A primeira onda de reformas, ocorrida entre 1990 e 1994, procurou reduzir o excessivo grau de fragmentação do sistema, tendo em vista melhorar seu manejo administrativo. Inserem-se nesta categoria a unificação de todos os regimes de previdência (1990) e a criação de um órgão central que passa a administrar a totalidade do sistema chamado (inicialmente chamado INPS e posteriormente transformado em ANSES). Todas as contribuições da seguridade social são unificadas em uma única alíquota de 17% para empregadores (aportes) e de 33% para os empregados, as quais financiavam benefícios na área de aposentadorias, pensões, proteção à saúde, proteção ao desemprego e assinações familiares. Para a parte específica de aposentadorias e pensões eram destinados 16% e 11% das contribuições de empregadores e empregados, respectivamente, sendo os demais recursos destinados ao pagamento de assistencia médica aos trabalhadores ativos, através das Obras Sociais, ao Programa de Atenção Médica aos Aposentados e Pensionistas (PAMI/INJP), às auxílios e benefícios familiares e ao seguro-desemprego. A alta composição dos custos dos encargos sociais sobre a folha de salários, mesmo depois da unificação era um grande empecilho para aumentar a competitividade da economia argentina no contexto de liberalização econômica que sucedeu o programa de paridade cambial entre o peso e o dólar que se iniciou a partir de 1994. Neste sentido, desonerar a folha de salários passava a ser uma tarefa essencial.
A segunda onda de reformas, a partir de 1994, buscou enfrentar o problema da sustentabilidade futura do sistema, estabelecendo novas bases de arrecadação e novos mecanismos de concessão e gestão de benefícios para os novos ingressantes no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que se propunham regras de transição para aqueles que, tendo ingressado no mercado de trabalho sob a tutela do antigo sistema, desejassem passar ao novo sistema. Em outras palavras, se substituiu o antigo sistema de repartição por um sistema misto de dois pilares compulsórios e complementares[5], constituído por:
- Um pilar básico de repartição, com benefícios definidos, administrado pelo setor público e financiado por contribuições sobre a folha de pagamentos e por impostos gerais, e;
- Um pilar complementar obrigatório, administrado em parte pelo setor privado e em parte pelo setor público, com contribuição definida, operando em regime de capitalização individual.
2.1 O Pilar Básico
O pilar básico é administrado por ANSES, através do estabelecimento de um novo conjunto de benefícios e regras de transição do antigo para o novo sistema.
Este pilar responde por três modalidades de benefícios:
(a) Prestação básica universal (PBU), destinada a todos os novos ingressantes do sistema e para aqueles que aceitarem passar do antigo para o novo sistema. O PBU é um beneficio equivalente a 2,5 vezes o valor do aporte médio previdenciário obrigatório(AMPO), o que equivalia no momento de sua criação (março de 1995) a US$ 180. Com o tempo o método de cálculo do PBU começou a sofrer alterações. Para receber o benefício é necessário completar 35 anos de contribuição e ter uma idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres;
(b) Prestação compensatória (PC), para aqueles que se encontram na transição do antigo ao novo regime, cujo valor equivale a 1,5% do salário médio de contribuição dos últimos 10 anos de emprego, multiplicado pelo número de anos de contribuição no sistema anterior, até um máximo de 35 anos. Uma pessoa que já contribuísse ao regime anterior receberia, no novo sistema, a soma do PBU com a prestação compensatória;
(c) Aposentadorias pagas sobre a base do sistema anterior, (ASI) para as pessoas que se aposentaram antes da reforma, se continuaria pagando o seu benefício calculado sobre a base do regime anterior.
A reforma argentina introduziu mudanças nas quais houve uma especialização de responsabilidades quanto a contribuição sobre a folha de salários, de modo que a parcela da folha correspondente aos empregadores ficou totalmente destinada aos benefícios do pilar básico, enquanto que a parcela da folha dos empregados passou a financiar exclusivamente o pilar complementar.
Dada a preocupação de desonerar a folha de salários, a contribuição patronal ao novo sistema baixou de 16% (sistema anterior) para 9,5% da folha em 1995, para os que já contribuíam ao regime anterior e 7,5% para os novos ingressantes ao mercado de trabalho[6]. Dessa forma, o aporte patronal se reduz substancialmente em relação ao que existia antes da reforma, ampliando os horizontes para o investimento e a migração de capitais estrangeiros para o país.
A arrecadação dos recursos, inicialmente a cargo de ANSES, passou a ser feita a partir de 1994 pela DGI do Ministério da Fazenda, a qual, em 1997 foi transformada em uma entidade autárquica chamada AFIP. Embora este órgão fosse responsável pela arrecadação de impostos (e não de contribuições previdenciárias) havia justificativas para centralizar a arrecadação do regime das contribuições da previdência ao sistema público nesta instituição:
(a) Em primeiro lugar, o novo sistema buscava administrar pensões contributivas e não contributivas (as que não tem como base um sistema prévio de contribuição) dentro de um mesmo pilar. Portanto, a lógica do sistema passava a misturar benefícios calculados sob a lógica de um sistema de repartição simples (para os que se situavam na transição para o novo sistema adicionados daqueles que não optassem pelo segundo pilar de capitalização individual[7]) com direitos universais de um sistema de proteção social (para os que não alcançassem o tempo mínimo de contribuição e ainda assim fizessem jus a um benefício mínimo);
(b) Em segundo lugar, o sistema financiaria o déficit decorrente da transição entre o antigo regime de repartição simples ao novo de capitalização individual com recursos fiscais. Portanto, as contribuições sobre a folha passavam a ser vistas não mais como aportes previdenciários, mas sim como impostos gerais, os quais seriam misturados às demais receitas fiscais para pagar a conta da previdência.
O novo sistema absorveu ainda as dívidas previdenciárias e a administração (inclusive no que se refere à arrecadação e pagamento de benefícios) de algumas "Cajas Provinciales de Pensiones" (CPP)[8], dado que em 1993 foi assinado o "Pacto Federal para el Empleo y el Crecimiento", que aceitou a transferência das Caixas de Aposentadorias Provinciais (CPP) para o SIJP como moeda de troca política usada pelo Governo Nacional para conseguir a adesão das bancadas legislativas provinciais ao novo sistema de previdência aprovado em 1994. Foram incorporadas 11 CPP, ficando de fora 13 Províncias que ainda mantém, até hoje, seus sistemas próprios.
As caixas incorporadas tiveram seu regime unificado de acordo com as regras da reforma previdenciária de 1994, ficando seus beneficiários sujeitos aos mesmos critérios para concessão de benefícios previstos na nova legislação, eliminando privilegias, distorções e iniqüidade.
Embora esta decisão tenha viabilizado politicamente a reforma da previdência de 1994, ela acelerou o processo de crise do SIJP, contribuindo para tal a transferência dos sistemas provinciais de pensões totalmente falidos e desestruturados com elevados déficits que passavam agora a ser de responsabilidade de ANSES. Em compensação, permitiu também melhorar, ainda que marginalmente, o endividamento público das províncias[9].
2.2. O pilar complementar obrigatório
O pilar complementar obrigatório poderia ser administrado por ANSES, para aqueles que optassem por continuar no sistema público, ou pelas Administradoras de Fondos de Pensión y Jubiliación (AFJP) - entidades privadas, livremente elegidas pelos trabalhadores para gerenciar a parcela de 11% descontada da folha de salários dos empregados para a formação de um fundo de capitalização individual, que proveria benefícios de valor indefinido e financiaria o pagamento de seguros e taxas de administração. Os principais mecanismos de funcionamento deste pilar são:
(a) Contas de Capitalização Individual (CCI) - Aos que optassem pelo novo sistema gerenciado pelo setor privado, estas contas seriam administradas pelas AFJP em um sistema de contribuição definida e benefício indefinido para o pagamento de uma aposentadoria regular (AR), através de rendas vitalícias ou retiradas programadas, além de subsídios por invalidez e pensões por morte, sob a modalidade de seguro.
(b) Prestação Adicional por Permanência (PAP) - Aos que optassem pelo sistema público, administrado por ANSES seria pago um benefício definido equivalente a 0,85% do salário médio de contribuição dos últimos 10 anos multiplicado pelo número de contribuição no novo sistema. A partir de 1995 a legislação nacional eliminou a opção do trabalhador em continuar no sistema público, passando a ser obrigatória a escolha de uma AFJP para administrar os benefícios do sistema. Neste sentido, este benefício ficou restrito aos que optaram por ele entre 1993 e 1995.
(c) Taxa de administração: Embora não existissem regras que limitasse qual a parcela dos 11% que seria destinada para as CCI e ao pagamento de seguros e taxas de administração[10], o sistema, desde suas origens, se estabeleceu com custos de transação muito elevados. Assim, para os que contribuem ao sistema de capitalização, dos 11% da contribuição, 3,5% em média eram destinados ao pagamento de seguros e taxas de administração. Portanto, o valor a ser capitalizado constitui, na verdade, 7,5% do aporte de contribuição.
Em sua origem foram autorizadas a funcionar 25 AFJP, embora o número real de empresas em operação fosse de 24. Uma delas - a AFJP "La Nación" foi organizada e tem sido mantida pelo setor público tendo em vista garantir uma empresa pública que servisse de referencia para o funcionamento de todo o sistema. Foi permitida a livre escolha de AFJP e dada a possibilidade de trocar de AFJP, originalmente a cada quatro meses e atualmente a cada ano, tendo em vista dar mais estabilidade a carteira de fundos de cada instituição.
Para supervisionar a implementação das regras de funcionamento do sistema, foi criada a SAFJP como uma autarquia especializada em regular todos os aspectos do regime de capitalização: mercado de capitais, diversificação dos portfólios, administração de risco e fiscalização de benefícios. Para financiar esta superintendência as AFJP pagam um percentual das contribuições compulsórias que recebem, os valores correspondentes a multas e a restituição dos gastos de funcionamento das comissões médicas estabelecidas para julgar os casos de petição de benefícios por invalidez ou doença. Toda a infra-estrutura de funcionamento (edifícios, instalações e equipamentos) da SAFJP foi financiada pelo orçamento do tesouro da Nação.
Dado o caráter compulsório do sistema e a falta de informação aos usuários sobre o modus operandi, a rentabilidade e os custos administrativos e de incentivos relacionados a rentabilidade das contas capitalizadas que permitissem um adequado funcionamento do mercado de AFJP, uma alta porcentagem dos novos empregados acabava não decidindo qual sua opção em termos de afiliação. Para inserir estes não optantes no sistema, estabeleceu-se a regra do sorteio, onde estes passavam a inserir-se aleatoriamente no sistema. Este tipo de procedimento desestimulava fortemente a competição entre AFJP para a captura de novos clientes, dado que todas as instituições, pela lei dos grandes números acabava recebendo anualmente um determinado número de novos contribuintes sem que tivessem que comprovar melhor desempenho.
2.3 Síntese dos principais elementos da reforma
O quadro II abaixo sintetiza as principais modificações introduzidas pela reforma da previdência argentina durante os anos noventa:
Como pode ser observado, as reformas procuraram resolver uma série de objetivos ao mesmo tempo, tais como:
(a) Uniformizar benefícios, unificar e reformar a gestão do sistema público para reduzir os custos de administração e padronizar os mecanismos de financiamento. Para tal, um dos custos pagos para alcançar este objetivo foi a absorção das caixas provinciais por ANSEES;
(b) Reduzir o custo da mão de obra para aumentar a competitividade da economia argentina;
(c) centralizar e padronizar os sistemas provinciais de pensões, incorporando-os a administração federal, com vistas a reduzir as pressões sobre a formação de déficit público provincial, ainda que isto tivesse impacto momentâneo no aumento do déficit público nacional;
(d) criar um pilar de capitalização individual compulsório que aumentasse a capacidade de poupança interna do país.
As ações necessárias para levar a cabo tão amplo leque de mudanças simultâneas requeriam grande esforço de coordenação, além de baixo grau de resistência política e firme determinação na eliminação dos privilégios que ainda se concentravam em alguns grupos. A falta de coordenação e consenso limitou consideravelmente o alcance das reformas, gerando alguns problemas como poderá ser visto na seção que se segue.
III. Evolução e Crise do Sistema Previdenciário Argentino
Após a Reforma
A reforma da previdência de 1994 teve dificuldades de implantação que, além de impedirem a solução dos problemas estruturais anteriormente existentes no sistema, acabaram aumentando a desconfiança e o desalento da população argentina em relação ao sistema de capitalização individual, que era a principal modificação introduzida pelo sistema. Os principais problemas gerados durante esta implantação são descritos a seguir.
3.1 - O desfinanciamento do sistema público
O sistema previdenciário público argentino começou, desde o inicio da reforma, a ser desfinanciado, seja por mudanças estruturais nos mecanismos de financiamento, seja pelo aumento dos gastos com benefícios pagos aos aposentados e pensionistas das caixas provinciais incorporadas a ANSES, sem o correspondente aumento nas receitas. Contribuíram, também, para o desfinanciamento do sistema, o aumento do desemprego e da informalidade no mercado de trabalho e o grau de evasão do sistema.
a) Mudanças Estruturais nos mecanismos de financiamento
A obrigatoriedade de inserir no sistema de capitalização individual os novos ingressantes no mercado de trabalho levou a redução progressiva das receitas sobre a folha de salários no pilar público, dado a parte da arrecadação relativa a contribuição dos empregados, antes cativa do sistema de repartição passou, a partir de 1994, passou a ser canalizada para o novo regime de capitalização individual, administrado pelas AFJP, acelerando o processo de formação de déficits no sistema público. Entre os outros fatores que aceleraram a queda da arrecadação se encontram o aumento da informalidade e as medidas de flexibilização do mercado de trabalho que permitiam às empresas contratar trabalhadores temporários com menores encargos sociais.
Passando a ter que pagar cada vez mais benefícios com uma base decrescente de arrecadação, sistema público tendia a apresentar déficits financeiros crescentes, os quais obrigatoriamente deveriam ser cobertos por fundos fiscais.
Como se observa no gráfico 1, entre 1994 e 2002 as receitas do sistema caem de US$14,1 para US$ 8,9 bilhões. Ao mesmo tempo, as despesas aumentam de US$ 15,2 bilhões para US$ 17,5 bilhões, entre 1994 e 1998, reduzindo-se para US$ 16,3 bilhões em 2002. Isto porque, para evitar o crescimento das pressões sobre o déficit público, o Governo apresentou e o Congresso aprovou em 1995 um conjunto de medidas racionalizadoras da Previdência Social, encapsuladas na Lei de Solidariedade Previdenciária (Ley de Solidaridaridad Previsional) a qual promoveu alguns ajustes no sistema, dentre os quais se inclui:
- a garantia de pagamento de benefícios pelo Estado limitada à disponibilidade orçamentária;
- a eliminação do reajuste do Piso Básico Universal (PBU) pela AMPO, vinculando os reajustes ao desempenho das finanças públicas nacionais e;
- a limitação do valor máximo dos benefícios a P$3.100,00 por mês.
Como mostra o gráfico 1, estas medidas evitaram que a arrecadação continuasse em forte declínio o que permitiu fortalecer a receita no período 1995-1997. No entanto, a partir de 1998 as receitas do sistema voltam a se reduzir, como resultado da crise econômica que se inicia no quarto trimestre deste ano, da aceleração do processo de transferência dos beneficiários ao novo regime e do aumento do desemprego, acarretando em um longo processo de redução de arrecadação que se estende até 2002.
Assim, o sistema, que desde o inicio da reforma já se apresentava como deficitário, passou a gerar déficits ainda maiores, os quais chegaram a US$7,4 bilhões em 2002 (quase 84% do valor das receitas). Para as autoridades argentinas, tal comportamento era esperado, já que a transição entre o antigo e o novo sistema seria financiada através do déficit público.
b) O comportamento do mercado de trabalho
Como vem acontecendo com muitos países da América Latina, ao longo dos anos noventa, o aumento do desemprego, da informalidade, da sub-ocupação e da precariedade no mercado de trabalho tornou-se um elemento cada vez mais presente na sociedade argentina na última década.
A crise do mercado de trabalho afetou a sociedade argentina nos anos noventa em dois momentos: em 1995/6 e a partir de 1999, sendo está última fase mais grave e prolongada. Embora seja um fenômeno de natureza estrutural, uma vez que as taxas de desemprego aberto vem aumentando desde os anos oitenta, havia ocorrido uma ligeira estabilização e queda do desemprego a partir de 1995, quando as taxas caem de 20% para 14% até 1998. Desde então elas começam a subir incessantemente, atingindo níveis de 21,5% em maio de 2002 (ver gráfico 2). Outro fator a mencionar é o aumento da participação dos chefes de família entre o conjunto de desempregados, fator que acelerou o aumento dos níveis de pobreza e indigência.
Também se observa no período um forte crescimento da participação do mercado informal no conjunto da oferta de trabalho, onde as condições de remuneração não se vinculam a sistemas contributivos. A proporção de sub-ocupados passou de 10,4% em 1994 para 16,3% em 2001 e os trabalhadores informais aumentaram de 24,6% a 37% dos ocupados entre 1990 e 2000. Além do mais, se produziu durante o período um intenso processo de concentração de renda. Entre maio de 1995 e maio de 2002, o coeficiente de Gini da renda familiar aumentou de 0,434 para 0,534 nas principais áreas urbanas do país. Portanto, mais grave que a elevação do desemprego, foi o aumento da proporção de famílias abaixo dos níveis de pobreza, configurando um quadro de sombrias perspectivas para toda uma geração de pessoas sem acesso futuro a aposentadorias e pensões, como resultado da manutenção prolongada de elevados níveis de desemprego, informalidade, concentração de renda e indigência.
Para mitigar este problema o Governo Argentino enviou para aprovação do Congresso Nacional em Dezembro de 2000 o Decreto 2016 que, dentre outras medidas, propunha:
- Criação de um benefício assistencial universal (BU) para maiores de 70 anos que não tenham qualquer outra fonte de renda nem residência própria, no valor de P$80,00 mensais. Os recursos para financiar este benefício seriam oriundos da redução do valor do atual PBU de $200,00 para algo entre P$125,00 e P$150,00 mensais.
Que os benefícios do pilar básico, segundo o desenho proposto, passassem a ser definidos segundo o tempo de contribuição de modo que: (a) quem tivesse menos de 10 anos de contribuição só receberia o BU; (b) quem tivesse entre 10 e 30 anos de contribuição receberia um beneficio proporcional (PP) e; (c) quem tivesse mais de 30 anos de contribuição receberia integralmente o PBU, que no novo sistema proposto passaria a se chamar PS.
- Vinculação da correção do valor dos benefícios ao comportamento dos salários através da criação de um Módulo Previdenciário (MOPRE).
- Fim da declaração jurada como critério para comprovar tempo de serviço para fins de concessão de benefício, reduzindo desta forma a pressão sobre a formação infundada de direitos previdenciários e garantindo maior sustentabilidade ao sistema.
Na medida em que o Decreto foi retirado de votação no Congresso, a situação do sistema previdenciário argentino continua se deteriorando até o presente.
c) Efeitos da Incorporação das Caixas Provinciais ao Sistema Previdenciário Nacional
Entre 1994 e 1997, após consultas sobre a adesão provincial ao projeto nacional de unificação das regras previdenciárias de 1993 (ver Quadro 1), dez províncias argentinas e a municipalidade de Buenos Aires transferiram as caixas de aposentadorias e pensões de seus empregados para o sistema público nacional de previdência social[11]. Embora estas Províncias tivessem diferentes estados de saúde financeira, em sua maioria acumulavam fortes déficits prévios em seus sistemas de previdência social. A transferência possibilitou, de alguma forma, uma racionalização dos gastos dos sistemas, em função da unificação dos planos e condições de elegibilidade para benefícios (sem ferir direitos adquiridos). Mas mesmo assim, o balanço das transferências trouxe efeitos positivos para as Províncias e negativos para as finanças públicas nacionais, contribuindo para aumentar o déficit público do governo federal.
Dados individualizados das Caixas Provinciais absorvidas por ANSES mostram que entre 1994 e 1999 a arrecadação atribuída a elas aumentou de US$ 99 para US$ 763 milhões, enquanto que as despesas com benefícios a elas correspondentes aumentaram de US$ 123 para US$ 2.023 milhões. Dessa forma, o Governo Nacional incorporou anualmente ao déficit público, desde 1996, uma despesa media de US$ 1,2 bilhões, somente por ter transferido a dívida das Caixas Provinciais para ANSES.
d) Grau de evasão do sistema
Durante a década de noventa, o sistema apresentou constantes reduções na relação entre contribuintes e dependentes. Esta relação, que se situava próxima aos 70% em 1995, reduziu-se para cerca da metade em 1999. Um estudo realizado pelo Departamento Regional de Operações I do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimou que mais de 50% dos trabalhadores que deveriam contribuir não o estavam fazendo em 1999. Foi estimado que dos 13,0 milhões de ocupados, cerca de 9,5 milhões seriam obrigados a ter alguma contribuição ao sistema[12]. No entanto, somente 4,7 milhões efetivamente contribuíram[13]. Com base no salário médio de contribuição dos distintos segmentos dessa população foi calculado que a evasão montaria a US$ 2,4 bilhões em 1999 (cerca de 27% das contribuições para o financiamento de aposentadorias e pensões naquele ano).
Boa parte da morosidade do sistema estava associada à existência de sistemas de registro de beneficiários incompletos, facilitando a concessão de benefícios sem instrumentos adequados de verificação do cumprimento das condições de elegibilidade, através de declarações juradas para comprovar tempo de serviço. Por outro, a evasão se associava ao baixo grau de controle sobre as bases de contribuição, na medida em que a AFIP não contava com os instrumentos necessarios para a fiscalização das contribuições.
e) Síntese dos problemas do pilar de repartição
Vários fatores influenciaram a performance negativa, do sistema público de previdência social na Argentina durante os anos noventa. Podemos enumerar alguns deles:
- Redução do valor da contribuição patronal, a qual financiava o sistema público, aumentando o compromisso de recursos do tesouro com o financiamento do sistema. De fato, é previsto que nos próximos cinco anos, 70% do valor da massa de benefícios será feito com recursos do orçamento fiscal.
- Progressiva deterioração da relação entre contribuintes regulares e afiliados ao sistema, sem a adoção de medidas reais que permitissem aumentar a taxa de contribuição e reduzir a evasão. Entre estas medidas destacam-se as tentativas do executivo, em diversas ocasiões, de aprovar um projeto de uma reforma laboral que reduzia o grau de rigidez dos contratos coletivos, incentivando as empresas a aumentar o grau de formalidade, além de medidas adicionais de fiscalização dos contratos. O congresso sempre retirou da pauta de votação este projeto;
- Manutenção de regimes de privilégio para certos segmentos populacionais como, por exemplo, legisladores, funcionários de algumas províncias e funcionários do poder judiciário. Em 1996 foi aprovado um decreto impedindo a concessão de novos regimes de privilégio. Assim, um deputado eleito depois deste ano não teria mais direito ao regime anterior de benefícios.
- Falta de sistemas de informações e instrumentos gerenciais de controle do déficit da Previdência Social, que permitisse um maior controle e previsibilidade das receitas e despesas do sistema;
- Manutenção de instrumentos como a declaração jurada que permite o aumento de aposentadorias e pensões não fundamentadas em bases reais de direitos e contribuições.
Negociações políticas entre Nação e Províncias que favoreceu a absorção pelo Governo Nacional de sistemas provinciais de aposentadorias e pensões altamente deficitários, agravando ainda mais a tendência ao aumento do déficit público do governo nacional.
Por todos estes motivos, o déficit da seguridade social em 2002 passou a representar 55% do déficit público argentino, como pode ser visto no gráfico 4. Caso não sejam aprovadas medidas que permitam estancar a concessão de novos benefícios reajustados pelos critérios vigentes, se mantém a tendência de crescimento do déficit previdenciário a curto prazo. Como mostra o gráfico 5, do total dos gastos da seguridade social em 2001 (US$22,2 bilhões), cerca de 68% (US$15,1 bilhões) são atribuídos a aposentadorias e pensões do regime básico. Os regimes especiais consomem mais de 10% desses gastos (US$2,3 bilhões). Outro gasto importante são aqueles atribuídos ao sistema de atenção médica a aposentados e pensionistas (PAMI), que também representa uma importante fonte de ineficiência dentro do atual sistema de seguridade social argentino.
A reforma da seguridade social teve como objetivo trazer maior eficiência e equidade para que as novas gerações de aposentados possam ter melhores condições de vida. Lamentavelmente se mantém inalterados os problemas de três milhões de beneficiários que ingressaram no sistema antes da reforma. Mas de 70% dos aposentados e pensionistas contam com valores mensais inferiores a P$300, o que depois da forte desvalorização do peso em 2002 representa menos de US$ 100 mensais.
O atual sistema de benefícios para fazer face às diversas contingências (idade, invalidez e morte) continua a apresentar insuficiências e inconsistências de cobertura e privilégios que levam a situações não desejadas. Muitos recebem benefícios desproporcionalmente maiores aos seus esforços contributivos ao longo da vida, enquanto que outros ficam desamparados ou recebem prestações menores do que merecem em função do que pagaram por toda sua vida. Pessoas que tiveram interrupções na contribuição durante sua vida ativa (o que é muito comum entre os desempregados) não chegando a comprovar 30 anos completos de contribuição perdem todos os seus aportes e não fazem jus, sequer, ao PBU. Por este motivo, boa parte da justiça tem sido complacente com o uso da declaração jurada, mesmo quando essa encoberte fraudes.
Por outro lado, a atual legislação não contempla perda parcial de capacidade laboral como fator necessário para aceder a um benefício. Somente em casos de invalidez total é assegurado ao indivíduo um benefício correspondente.
Vale a pena comentar também a complexidade administrativa do novo sistema. Ao ter acesso a diferentes tipos de benefícios, se multiplicam os trâmites administrativos para que o indivíduo possa começar a recebê-los mensalmente. A superposição de regras e mecanismos cria um sistema pouco transparente que possibilita aos que tem inside information uma vantagem comparativa em relação aos demais. Com isso, a detenção e tráfico de informação viram mercadorias dentro do sistema, beneficiando aqueles que as vendem em situação privilegiada.
Dada esta situação, o sistema gera altos níveis de litigiosidade entre os que dele participam. Sobre um total de 3,2 milhões de beneficiários do sistema público, existiam, ao final de 2001 mais de 100 mil processos em tramitação, dos quais somente a metade havia sido julgada, ficando a maioria dos que ganham sem receber os recursos correspondentes por muito tempo. A cada ano ingressam ao sistema de queixas, 20 mil novos processos, o que corresponde a 1/6 do total de benefícios anuais concedidos, dos quais a metade são aposentadorias. Uma proporção tão elevada de processos leva ao pior dos mundos: altos custos administrativos para o sistema e baixos níveis de entrega de benefícios para os cidadãos.
3.2 - Problemas do Pilar de Capitalização Individual
O sistema de capitalização individual não teve o crescimento esperado por seus protagonistas. Como se observa nas tabelas 1 e 2 do anexo estatístico e no gráfico 6, em 1995, um ano após sua criação, o sistema tinha pouco mais de 2,7 milhões de contribuintes ativos. Essa cifra cresce até 1998, quando se chega a 3,7 milhões de contribuintes. A partir de então o número de contribuintes começa a decrescer atingindo 2,6 milhões em 2001. Em 2002 se observa uma ligeira recuperação do número de contribuintes para 2,9 milhões, o que pode estar associado à melhoria do desempenho econômico da Argentina a partir do segundo trimestre daquele ano. Em que pese o mau desempenho do número de contribuintes, o número de afiliados continuou a crescer sem cessar, passando de 4,8 milhões para 9,0 milhões de pessoas entre 1995 e 2002. Tal fato ocorre porque a base dos afiliados é representada pela população de dependência, tanto dos contribuintes ativos como dos inativos. Nesse sentido, mesmo quando contribuintes ativos deixam de contribuir, seus dependentes continuam registrados no sistema. Portanto, a relação entre afiliados e contribuintes, que aumenta de 1,8 para 3,1 entre 1994 e 2002, está influenciada por este comportamento.
Vários fatores contribuíram para este comportamento. O mais imediato de todos é a profunda recessão econômica que se inaugura no quarto trimestre de 1998. O gráfico 7 mostra o comportamento das taxas anuais de crescimento do PIB desde 1997 e o gráfico 8 mostra o comportamento do PIB, trimestre a trimestre, entre 2001 e 2002.
O aumento das taxas de desemprego do mercado de trabalho formal, em decorrência da recessão (já demonstrado no gráfico 2), foi o principal fator que explica a queda do número de contribuintes ativos do sistema de capitalização individual. De fato, entre 1998 e maio de 2002, as taxas de desemprego aberto aumentaram de 14% para 22%, com forte impacto na capacidade contributiva do mercado de trabalho formal ao novo sistema.
Acrescente-se a isso tudo a redução do salário médio real, especialmente a partir da crise de fins de 2001, o que contribuiu para a deterioração das margens de contribuição aos ativos acumulados nos fundos de pensão.
No entanto, se pode mencionar a existência de outros fatores adicionais que não tem estimulado o crescimento do número de afiliados, tais como poucos incentivos à competitividade do sistema e seu baixo grau de transparência sobre temas como rentabilidade e custos de administração. Por outro lado, outra aparente vantagem do sistema seria o crescimento dos fundos voltados para investimento, possibilitando aumentar a taxa de poupança interna do país. Esta vantagem foi minimizada dado o alto nível de intervenção governamental sobre o portfólio de investimentos das carteiras dos fundos depositados, o que leva a uma composição dos investimentos similar entre as AFJP e a baixos estímulos para investimentos em capital produtivo e mercados de ações. Vejamos estes problemas em maior detalhe.
a) Competitividade do sistema
A estrutura do mercado das AFJP se caracteriza, basicamente, por seus contornos oligopolistas: produto homogêneo, grandes economias de escala e existência de barreiras à entrada de novos competidores. Num contexto de recessão econômica, um mercado com essas características tende a se concentrar, o que de fato ocorreu no caso argentino. As tabelas 1 a 6 do anexo estatístico mostram um conjunto de características das AFJP existentes no país entre dezembro de 1994 e junho de 2002, as quais vamos explorar.
Em dezembro de 1994 existiam 26 AFJP. Em dezembro de 1998 este número se reduz para 15. O mercado continua se concentrando mais lentamente, dado que o número de AFJP se reduz para 12 em junho de 2002. Outra forma de verificar a tendência à concentração do mercado é ver como se comportaram as empresas líderes do setor, em termos da fatia do mercado que absorvem. As tabelas 1, 2 e 4 do anexo estatístico mostram que em 1994, as quatro maiores AFJP[14] englobavam 50,2% dos beneficiários; 51,5% dos contribuintes e 52,2% do valor dos fundos do sistema de capitalização individual. Em 2002 estas cifras passaram a ser 72,7% dos beneficiários; 73,6% dos contribuintes e 75,5% do valor dos fundos. Assim, um mercado que em sua origem já nasce concentrado apresenta uma tendência ainda maior a concentração ao longo de seus oito anos de funcionamento.
A forte concentração do mercado favoreceu a posição relativa daquelas AFJP que podiam, desde a origem do sistema, pagar por elevados custos de propaganda. Se por um lado, isto aumentou a competição no mercado, por outro trouxe um crescimento dos custos administrativos do sistema. Boa parte da propaganda se baseava em fatores subjetivos, dado que a forte regulação do sistema, não gerava incentivos para uma concorrência baseada em maiores rentabilidades advindas da possibilidade de diversificar ativos ou menores custos administrativos para os clientes. Em 1998 uma norma interna da SAFJP proibiu legalmente a utilização de promotores de venda de planos, tendo em vista gerar reduções de custos administrativos. No entanto, as reduções de custo não levaram a uma diminuição das comissões tendo sido as diferenças quase que integralmente convertidas em aumento das margens de lucro.
b) Rentabilidade e Custos de Administração
O sistema tem sido pouco transparente aos seus usuários, especialmente no que se refere à rentabilidade e custos de administração. A rentabilidade divulgada aos contribuintes é a rentabilidade nominal das cotas de capital de suas contas individuais e não de seus aportes integrais. Nesse sentido, devem ser deduzidos das contribuições pagas sobre a folha os valores das comissões pagas a cargo de seguros e administração. Só que os valores deduzidos a título de seguros e administração não são divulgados para os contribuintes. Estes recebem somente o número de cotas que tem acumuladas em seus fundos, o valor nominal das cotas e a rentabilidade das cotas nos períodos considerados. O gráfico 9 mostra a rentabilidade média anual das cotas das AFJP entre 1995 e 2001. Observa-se que a rentabilidade das cotas no início do sistema era mais alta, situando-se em 19,7% em 1995. Desde então a rentabilidade passa a cair lentamente até alcançar valores relativos médios de 1,5%, quando retorna a crescer em 1999, para mergulhar posteriormente em taxas negativas no período 2000-2001. Pode-se observar que sempre que a rentabilidade é maior, a amplitude de variação das taxas das distintas AFJP é maior, ocorrendo o contrário nos momentos de crise, quando as taxas de rentabilidade tendem a convergir.
No entanto, não existem estudos e informações aos usuários que permitam analisar o perfil de rentabilidade dos portfólios em relação ao risco dos investimentos, o que impedia os usuários de tomar decisões quanto a que AFJP se afiliar baseadas no conhecimento da eficiencia dos portfólios.
Outro tema a ser considerado, como se observa no gráfico10 e na tabela 4 do anexo estatístico, é o comportamento das comissões cobradas pelas AFJP (que incluem seguros pagos e custos de administração) como porcentagem da folha de salários. Como pode ser visto, estas comissões alcançavam 3,51% da folha de salários em 1994, sobrando somente 7,5% da folha de salários[15] para investir nas cotas dos fundos de pensão capitalizado.
Entre 1994 e 2000 o percentual pago a título de comissões caiu muito lentamente, alcançando 3,38% da folha. Somente em 2001 há uma queda brusca das comissões, a qual se deve basicamente às medidas sugeridas pelo Projeto BID 1295/OC-AR[16].
Em síntese, com taxas de rentabilidade declinantes e comissões de administração elevadas, os contribuintes não tinham grandes incentivos em continuar apostando no sistema de capitalização individual. O sistema, portanto tinha rentabilidade real negativa em relação às contribuições brutas realizadas[17]. Por todos esses motivos, havia grande desinteresse dos novos ingressantes no mercado de trabalho em escolher uma AFJP para administrar seus fundos capitalizados futuros.
c) Montante dos fundos investidos e composição da carteira
Como ocorre com qualquer sistema jovem de previdência social e especialmente com aqueles baseados em capitalização individual, os fundos acumulados pelas AFJP aumentaram rapidamente desde sua criação. O gráfico 11 mostra que o valor acumulado nestes fundos passou de US$ 524,9 para US$ 20786,0 milhões entre 1994 e 2001. Nesse sentido eles já representavam em 2001, recursos equivalentes a 7,4% PIB.
Observa-se, no entanto, uma ligeira estagnação no crescimento dos fundos acumulados entre 2000 e 2001, a qual pode estar associada à redução do ritmo de crescimento de novos contribuintes, em função da fraca base de expansão do mercado de trabalho e do aumento do desemprego, que leva a interrupção da contribuição daqueles que faziam regularmente seus aportes quando empregados.
O crescimento dos fundos poderia levar a possibilidade de aumentar as disponibilidades de investimentos de longo prazo na economia argentina, contribuindo para acelerar o crescimento econômico. No entanto, parece não ter sido esta a tendência na Argentina, não apenas em função da crise econômica, mas também pela legislação que regula os investimentos dos fundos, as quais apresenta um forte componente de títulos públicos em sua composição, como pode ser observado no quadro III e no gráfico12.
Desde o início do sistema os títulos públicos representavam mais da metade dos investimentos dos fundos de pensão. Entre 1995 e 1998 houve uma redução relativa da participação dos títulos públicos na composição dos ativos dos ativos dos FJP, de 55% para 46%, tendência esta que se reverte a partir de então. Em junho de 2001, os títulos públicos já representavam novamente 55% dos ativos dos FJP problema que se agrava em 2002, quando passam a absorver quase 80% dos ativos num contexto de forte desvalorização cambial, retomada da inflação, estagnação econômica e aumento do risco-país.
Vale mencionar, também que os valores investidos em ações e títulos privados nunca ocuparam uma verdadeira posição de destaque no conjunto dos ativos dos FJP, dado o excesso de regulação que favorecia a concentração do mercado em títulos públicos. O valor máximo alcançado por estes ativos ocorreu em 1997, quando representaram quase 27% dos investimentos em carteira. A partir de então estes valores começam a declinar atingindo em 2002 a irrisória participação de 9,7% dos ativos; quase o mesmo valor existente em 1995, ao início do sistema.
Os demais investimentos (depósitos a prazo fixo, fideicomissos, títulos de exportação e outros) sempre representaram, em geral, comportamentos erráticos no portfólio de investimentos dos FJP. Destaca-se, neste caso, como comportamentos mais regulares, os investimentos de prazo fixo, que reduziram sua participação ao longo do tempo, e os títulos de exportação, cuja tendência foi o crescimento, motivados por uma maior rentabilidade baseada em moeda externa (dólar), especialmente a partir de 2000, quando começam a se evidenciar os principais sintomas da crise.
d) O fim da convertibilidade e a quebra dos contratos que regiam as AFJP
O aumento da participação dos títulos públicos na carteira dos FJP entre 2001 e 2002 não ocorreu por acaso. Momentos antes da crise do governo liderado por Fernando De la Rua, a qual estabeleceu as pressões para o fim da convertibilidade do peso ao dólar e ao "corralito", medida que congelou compulsoriamente os ativos a disposição do público no sistema bancário, as autoridades econômicas argentinas promulgaram uma série de medidas que mu