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Segurança Social: fundo de solidariedade ou fundo de capitais?

11 de Maio de 2016 às 09:08:38

Sara Granemann, professora de Economia Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é autora de uma rigorosa crítica e inovadora tese sobre a segurança social e os fundos de pensões. Nesta entrevista, questiona a existência de um défice demográfico para cobrir a segurança social. Afirma que os Estados assumiram o papel de transferir o fundo público da segurança social para os capitais, mormente a banca. Defende, de forma polémica, o esgotamento da alternativa keynesiana como portadora de bem-estar social, devido aos limites objetivos impostos pelo próprio desenvolvimento atual do modo de produção capitalista. Lembra que a segurança social universal, hoje apropriada e paulatinamente usada como mercado de capitais, nasceu da ideia de solidariedade na Comuna de Paris, em 1871. Entrevista de João Jordão, Raquel Varela e Rui Viana Pereira


O que é a segurança social?


A segurança social pode ser mais ampla ou mais estreita, dependendo do país e do que a luta de classes em cada país conseguiu definir como segurança social. No Brasil, temos uma segurança social restrita, que envolve apenas as políticas de reforma, saúde e assistência social. Há outros países, mesmo na América Latina, em que envolve também a educação, a habitação, os transportes, o emprego.


O que é a reforma?


A reforma é o fim da vida laboral, quando um trabalhador chega a uma determinada idade e alcançou determinados direitos… é diferente de outro tipo de pensões, por exemplo, a pensão de viuvez, atribuída ao cônjuge por morte do titular. A reforma é alcançada também por incapacidade – doença física ou psíquica – decorrente de acidentes de trabalho em geral, ou pela pressão de trabalhos inseguros e repetitivos que incluem actividades portadoras de doenças a curto e médio prazo.


Como é que as reformas são financiadas?


Fundamentalmente sobre a folha de salário, isto é, na folha de pagamento há uma percentagem de contribuição do trabalhador e há uma percentagem de contribuição da empresa. No Brasil: 8-12% do trabalhador e até 20% do patrão. Em Portugal, os trabalhadores contribuem 11% e o capital 23,5%.


Como nasceu a segurança social?

A ideia previdenciária encontramo-la historicamente pela primeira vez na Comuna de Paris, a primeira experiência de poder operário na história, em 1871. São os trabalhadores da Comuna de Paris, os communards, que se dão conta de que é preciso proteger os trabalhadores na velhice, os trabalhadores incapacitados, os órfãos dos que lutaram para defender Paris da contra-revolução. Ou seja, diferentemente do que muitos teóricos escrevem, não foi Bismark, chanceler de ferro da Alemanha, que, por volta de 1880, começou a constituir um sistema de previdência… e se o começa a fazer, é porque queria impedir uma «comuna de Berlim»!


É a Previdência no sentido estatal…


Esta previdência corresponde à ideia de que um fundo público protege os trabalhadores – que são os que produzem a riqueza em qualquer país do mundo. Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a classe trabalhadora passa a organizar-se na luta e o Estado responde com a constituição da previdência para impedir novos conflitos, mas também porque a previdência – seja ela pública ou privada –, no modo de produção capitalista, é um dos mais generosos fundos para a constituição de riqueza.


Como era concretamente a previdência na Comuna?


Até 1871, quando os trabalhadores defenderam Paris atacada por dois exércitos – o francês e o alemão – e construíram a Comuna de Paris, era considerado normal que os trabalhadores trabalhassem até à morte. Junto com epidemias, deficiência na assistência médica, a morte ocorria mais cedo também por força da intensificação do trabalho. Foi somente nesta experiência da Comuna — na altura, a primeira tentativa de construir uma República Social — que toma forma a ideia de um direito, de uma protecção por viuvez, aos órfãos, aos feridos de guerra e aos incapacitados para o trabalho.


A reforma e as pensões surgiram, então, da luta e da solidariedade dos trabalhadores uns com os outros; não foram os patrões, nem os governantes, que primeiro decidiram sobre as reformas: foram os trabalhadores, exaustos das consequências da exploração que acarretava até então trabalhar até à morte. Antes disto, quando um idoso adoecia ou dava entrada num dos abrigos religiosos, num asilo, sempre precários e em número insuficiente, ou passava a ser objecto de cuidado dos familiares e dos outros pobres do local no qual vivia. Parece-me que actualmente a destruição das reformas está a empurrar a vida dos reformados para uma situação semelhante: viver da caridade dos religiosos – e isto é uma tragédia – ou da solidariedade das famílias, também elas empobrecidas.


 


Fonte: Leituras