Na noite do dia 10 de fevereiro de 2014, o jovem ator Vinícius Romão, formado em psicologia e com participação como figurante em novelas da Rede Globo de Televisão, foi parado pela polícia enquanto caminhava para sua casa depois de sair do seu trabalho em um shopping próximo de sua residência. Sem direito a defesa, Vinícius foi rendido pela polícia, teve suas mãos colocadas para trás e ficou totalmente imobilizado. Tentando se defender, o jovem dizia que era inocente, que nada tinha feito e que não encontrariam nada com ele, nem armas, nem bolsas, afinal, ele voltava do seu trabalho para sua casa e nada tinha para temer ou esconder.

Porém, as coisas tomaram outros rumos, Vinícius recebeu voz de prisão e foi encaminhado para delegacia para averiguação, pois havia uma testemunha que o reconhecia como autor de um furto há poucos minutos. Na delegacia, foi autuado, julgado e condenado, sem direito a defesa, e logo em seguida enviado para uma cela onde ficou sem comunicação com sua família até o dia seguinte. Prestou depoimento sem advogado de defesa, não teve direito ao reconhecimento que garante o Código Penal, não teve oportunidade de avisar seus familiares. Tudo isso, em pleno estado democrático de direito. Quinze dias depois, a mulher que acusou Vinícius Romão disse ter se enganado.

Vinícius entrou para uma triste estatística brasileira, onde mais de 65% dos detentos são negros e, destes, mais de 50% têm menos de 30 anos de idade. Ao mesmo tempo, menos de 2% dos estudantes universitários são negros. Como diz Mano Brown, 50 anos agora se completam da lei antirracismo na constituição, infalível na teoria e inútil no dia a dia.

Somente no dia 26 de fevereiro Vinícius Romão foi solto foi solto através de um habeas corpus, depois de uma ampla campanha das redes sociais promovida por seus amigos. Agora, ele responde em liberdade por um crime que não cometeu.

Apenas três dias após, Steve McQueen, de 44 anos, se tornaria o primeiro diretor negro a vencer o principal prêmio de Hollywood, com o longa “12 anos de escravidão”, que ganhou o Oscar de melhor filme. A história de Vinícius lembra em muito ainda a que assistimos atônitos no filme de McQueen, com uma diferença que a história americana se passa em 1841, e a de Vinícius em 2014.

O filme 12 Anos de Escravidão, dirigido por Steve McQueen, foi baseado em fatos reais e se passa no período que antecede a Guerra Civil Americana e conta a história de Solomon Northup, que foi uma das poucas vítimas de sequestros a rever a liberdade depois da escravidão. Solomon Northup nasceu um homem livre, vivia com sua família em Nova Iorque, até que em 1841 foi enganado por dois sequestradores que o levaram para Washington.D.C com o falso propósito de tocar violino em circos naquela cidade.  Ao chegar à cidade, Solomon é embebedado pela dupla de sequestradores que o vende como escravo. Ao tentar explicar que era um homem livre, Solomon foi agredido e acusado de ser um fugitivo da Geórgia. Sendo vendido para fazendeiros, verá sua vida ser destruída em segundos.  Solomon vai de um homem livre que vivia com sua família na cidade de Nova Iorque para se tornar escravo em fazendas de cultivo de algodão por mais de 12 anos.

Após sua libertação, Solomon Northup levou o homem responsável pelo seu desaparecimento a julgamento, porém, incapaz de testemunhar contra brancos em Washington D.C, ele perdeu o caso contra o dono da fazenda de escravos James Burch. Depois de longos procedimentos legais em Nova York, os seus sequestradores  Hamilton e Brown também conseguiram evitar a condenação. Em 1853, Solomon Northup publicou o livro “Doze anos de escravidão”, tornando-se ativo no movimento abolicionista, ministrando aulas sobre escravidão pelo Nordeste dos Estados Unidos e ajudando escravos fugitivos. Ninguém sabe a data e as circunstâncias de sua morte.

Após 161 anos, a história Solomon Northup volta a cena, cópias do longa vão ser distribuídas em escolas públicas dos Estados Unidos a partir de setembro, juntamente com o livro que inspirou o filme, escrito pelo próprio Northup, para que os estudantes americanos  conheçam mais esta parte de sua história, para que ela seja conhecida e nunca mais se repita. Quem sabe não seguimos este caminho no Brasil, para que novas histórias de Vinícius não se repitam, a não ser nas telas dos cinemas para nos lembrar dos mais de 300 anos que mantivemos o sistema escravista neste país, para que nossos estudantes também conheçam esta história de opressão para que ela nunca mais se repita também no Brasil.

Professor doutor do Departamento de História da Unicentro em Guarapuava
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Fonte: Jornal Diário de Guarapuava