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As manifestações e a ordem pública

05 de Dezembro de 2014 às 12:35:20

Resumo: O presente texto busca analisar a luta pelo direito de livre manifestação e a ordem pública numa era de violência, a partir das grandes passeatas de junho de 2013. Ao mesmo tempo em que um número cada vez maior de manifestantes ganhava as ruas do país, a polícia e o estado utilizavam todas as formas de repressão contra estudantes, trabalhadores, movimentos sociais e ativistas, com equipamentos considerados não letais, como balas de borracha, gás lacrimogêneo, gás de pimenta e bombas de efeito moral, passando logo em seguida para a utilização de outros meios de repressão, inclusive de armas letais. Além disso, o estado acelerou a criação de novas leis nacionais, como a Lei Geral da Copa e a Lei Contra Organização Criminosa, e retomou a utilização da Lei de Segurança Nacional para criminalizar manifestantes de forma individual e organizações sociais e políticas, além dos movimentos sociais. Sob esta perspectiva, buscamos ligar uma série de pontos que demonstra que a partir das manifestações de junho de 2013 e com a proximidade da Copa do Mundo de 2014, não só as forças policiais, mas também a justiça e o estado, devem cada vez mais aumentar a repressão contra qualquer atividade que considerem como um ataque ao que eles definem como “estado democrático de direito” e a defesa da ordem pública e do patrimônio das grandes empresas e bancos nacionais.


Palavras-chave: Manifestação. Repressão. Criminalização. Movimentos Sociais. Violência.


Nas manifestações realizadas no dia 7 de outubro de 2013 no Rio de Janeiro e em São Paulo, em apoio à greve dos professores e contra a violência policial, 29 pessoas foram detidas e duas presas. Durante as manifestações ocorridas em São Paulo, uma estudante de 19 anos e um artista plástico de 24 anos foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), após acusação sem provas, de danificar um carro da polícia civil.


No dia 15 de outubro de 2013, dia do professor, a polícia militar do Rio de Janeiro apreendeu  mais de duzentas pessoas no ato em apoio aos professores das redes estadual e municipal que lutavam  por melhores salários e condições de trabalho. Todos os manifestantes foram enquadrados na  Lei de Organização Criminosa (12.850/2013), em vigor desde 19 de setembro de 2013. A Lei de Organização Criminosa foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff e entrou em vigor a partir de setembro deste ano. Segundo o texto da Lei nº12.850/2013,


considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. A pena prevista é de 8 (oito) anos, podendo ser estendida.


A partir das mobilizações e manifestações ocorridas em junho de 2013 e da forte repressão policial contra os manifestantes, outros elementos além de balas de borracha, gás lacrimogêneo e gás de pimenta passaram a ser utilizados de forma a criminalizar os participantes das manifestações.


Nos protestos de junho de 2013, o mais comum era a utilização de prisão por desacato à autoridade, atrapalhar a ação da polícia e formação de quadrilha. Depois de junho de 2013, a nova estratégia utilizada pela polícia e pela justiça, no processo de criminalização dos movimentos sociais, organizações políticas e de manifestantes individuais, é a utilização de legislações como a Lei de Segurança Nacional, a Lei de Organização Criminosa e a Lei Geral da Copa.


Um exemplo desta forma de atuação da polícia foi a prisão do repórter do jornal Folha de São Paulo, Leandro Machado, nas manifestações do dia 11 de junho de 2013, quando foi detido durante o protesto na Avenida Paulista “por atrapalhar a ação da polícia”. No mesmo ato, mais 20 pessoas foram presas. Dessas, 13 foram indiciadas por formação de quadrilha e dano ao patrimônio1.


Com o aumento da repressão das manifestações e com um número cada vez maior de manifestantes e repórteres detidos, o jornal Folha de São Paulo editou, no dia 16 de junho de 2013, um pequeno manual de direitos e obrigações do manifestante preso, onde explicitava o que poderia ou não ser feito nas manifestações. Entre eles, dizia o manual do jornal:


Não resista a uma ordem legal dada pelo policial ou você será preso por resistência. Portar vinagre, bebidas ou outras substâncias legais não é delito e você não pode ser preso por conta disso. Se você for preso, você deve, depois de solto, levar o fato ao conhecimento do Ministério Público para que o policial seja processado por abuso de autoridade2.


Em relação ao que não portar nas manifestações, o manual do jornal Folha de São Paulo deixava claro ao leitor o direito de “portar vinagre”. Este ponto ganhou destaque depois da prisão do repórter da Revista Carta Capital, Piero Locatelli, por “porte de vinagre”, nas manifestações do dia 13 de junho de 2013 na cidade de São Paulo. Piero Locatelli explica que no segundo protesto, ocorrido no dia 7 de junho de 2013,


manifestantes que seguiam pacificamente foram recebidos com mais bombas na zona oeste da cidade. No meio do ato, uma pessoa só com os olhos de fora espirrou vinagre na minha camiseta, dizendo para eu respirar e me cuidar. Foi quando descobri que o vinagre atenua os efeitos do gás lacrimogêneo. O exemplo da manifestante desconhecida me fez ser mais precavido desta vez. Nesta quinta-feira, desembarquei do ônibus em frente ao metrô Anhangabaú. Ao chegar, vi dois estudantes sendo presos. Perguntei ao policial o que eles portavam. Ele falou em “artefatos”, sem especificar. Os presos responderam que era vinagre3.


Em poucos dias, não só a repressão aumentou no país, mas também houve um endurecimento da utilização de legislações criadas durante a ditadura militar para reprimir manifestantes que lutavam contra o aumento das passagens de ônibus nas mais diversas cidades do Brasil.


Além disso, ocorreu um processo de aceleração na aprovação de novas leis nacionais, como a Lei Geral da Copa e a Lei Contra Organizações Criminosas, que passariam a ser usadas para justificar a prisão de manifestantes de forma totalmente arbitrária pela polícia.


O fato ocorrido na cidade do Rio de Janeiro no dia 15 de outubro, dia do professor, com a prisão de mais de 200 manifestantes, demonstra como o estado brasileiro agirá a partir de agora na repressão e criminalização dos movimentos sociais, utilizando muito mais que balas de borrachas e gás lacrimogêneo, lançando uma ofensiva contra manifestantes e utilizando de leis arbitrárias, sendo algumas criadas em plena ditadura militar, para garantir o “estado democrático de direito”. O mesmo “estado democrático de direito” que defende empresários do transporte público e banqueiros.


É importante compreender que, se de um lado aumenta o endurecimento das legislações, isto não é feito de forma isolada. Existe todo um contexto político que acompanha este processo que envolve um novo aparelhamento das forças policiais, com a aquisição de novos instrumentos militares e a contratação de mais policias e agentes privados para defender a chamada “ordem pública” .


Eric Hobsbawm, no artigo A ordem pública em uma era de violência, busca compreender como agem as polícias em lutas de trabalhadores, movimentos populares ou estudantis. Existe, segundo o autor, toda uma indústria por trás da repressão. Assim, quanto mais violência a mídia burguesa apresenta, mais dinheiro se gasta na compra de equipamentos de segurança, entre eles armas não letais. Segundo HOBSBAWN (2007, p. 134),mas a segurança de quem? Dos cidadãos ou das empresas privadas? Ou ainda, o que estaria em jogo não seria uma articulação do estado para gastar mais dinheiro com segurança, fomentando as indústrias privadas que ofereciam este serviço?


Para Hobsbawm, nossa época havia se tornado mais violenta, inclusive nas imagens. Mas o que significaria manter a ordem pública, nestes tempos de aumento da violência e a segurança dos cidadãos, sem atacar as poderosas indústrias de armas letais, que estão à disposição de milhões de pessoas? Segundo HOBSBAWN (2007, p. 135), “antes a culpa era da guerra fria, a necessidade de se armar contra o perigo vermelho vindo do leste. Mas hoje se tornou algo tão lucrativo que a produção vem aumentando com o passar dos anos”.


Se de um lado aumentam as vendas para a população, do outro, o Estado passa a ser o maior comprador de armas, letais e não letais, leves ou não. Para completar o quadro, o número de agentes de seguranças e policias teve um crescimento expressivo, bem como a ampliação de equipes especializadas em confrontos com a população civil. No nosso caso, temos as tropas de choques, situadas em todos os estados e prontos para reprimir qualquer manifestação que altere a cartilha pré-estabelecida do que seria segurança pública e que desafie o chamado “estado democrático de direito”. A pergunta que fica é: quem protege quem?


A história recente do Brasil demonstra que, mesmo após o final da ditadura civil-militar, ainda convivemos com resquícios das formas autoritárias de controle e repressão e que ainda será necessário muita luta para remover por completo todo o autoritarismo das forças policiais.


No momento em que o país vive o mais longo período contínuo de democracia, tensões reprimidas passam a fazer parte da pauta de reivindicações das mais diversas camadas sociais, como a luta por transporte público de qualidade, educação, saúde, segurança, direito à moradia, reforma agrária e outras demandas historicamente negadas à população brasileira.


As manifestações que se intensificaram no mês de junho de 2013 encontraram um ápice motivado pela luta pelo direito à cidade, mobilidade urbana, redução do preço das tarifas de transporte e pela conquista do passe livre. Todas as bandeiras e reivindicações que se expressaram naquele mês já estavam nas ruas há um longo tempo. Para entender as revoltas de junho de 2013, utilizamos parte da análise feita pelo MPL (Movimento Passe Livre) de São Paulo, publicada no livro Cidades Rebeldes, que explica ser


necessário voltar no mínimo ao ano de 2003, quando, em resposta ao aumento das passagens, iniciou-se em Salvador uma série de manifestações que se estenderam por todo mês de agosto daquele ano, que ficou conhecida como revolta do Buzu (MPL: 2013, p. 14)4.


A revolta do Buzu foi a primeira grande manifestação por direito ao transporte público que fugia do “receituário pronto, tanto no que dizia respeito à organização do transporte, como do próprio movimento” (MPL: 2013, p. 14-15)5. Para Manolo (2011), em artigo publicado no site Passa Palavra, em 25 de setembro de 2011, “a Revolta do Buzu não foi apenas um movimento estudantil, mas um movimento social, de classe, radicalizado até onde foi possível dentro da conjuntura, no qual a demanda por transporte catalisou várias insatisfações sociais”6.


Depois da revolta do Buzu, tivemos a revolta da catraca em Florianópolis, em 2004, seguidas por revoltas em Vitória em 2006, Teresina em 2011, Aracaju e Natal em 2012 e Porto Alegre e Goiânia em 2013.7 Todas essas revoltas foram duramente reprimidas pela polícia, com a utilização dos mesmos artefatos não letais (como balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral).8


Desta forma, ao analisar a luta pelo direito de livre manifestação e a ordem pública numa era de violência, é preciso destacar que, se de um lado existia uma demanda reprimida e uma vontade política por parte da população de tomar as ruas e conquistar com suas for­ças as modificações necessárias para transformar a realidade do país, de outro, havia por parte das forças policiais uma longa experiência em se utilizar do uso da força como forma de “mediar” conflitos de interesses.


O poder público lançou sobre os manifestantes tudo o que podia para reprimir as passeatas. Surpreendido pela tomada massiva das ruas em meio ao evento internacional da Copa das Confederações, diversos governos estaduais se esforçaram para conter com exacerbada brutalidade as manifestações que tomaram conta do país. A violência desmedida por parte da polícia contra os manifestantes teve repercussão na imprensa mundial, que estava presente in loco para fazer a cobertura dos jogos de futebol.


Segundo Ruy Braga (2013, p. 79), “não há dúvida de que, em junho de 2013, as placas tectônicas da política brasileira movimentaram-se bruscamente” e entre os efeitos desta movimentação e da forte repressão contra manifestantes e movimentos sociais está a queda nos índices de aprovação e popularidade dos governantes.


A presidente Dilma Rousseff (PT) assistiu ao índice de aprovação do seu governo cair para 55% em junho, quando começaram os protestos, e para 31% em julho (segundo o Ibope). E, em São Paulo, onde os confrontos entre manifestantes e a polícia tiveram episódios de muita violência, a popularidade do prefeito Fernando Haddad (PT) e de Geraldo Alckmin (PSDB) foi prejudicada. No estado de São Paulo, a aprovação de Geraldo Alckmin caiu 14 pontos no intervalo de três semanas (entre o início e fim de junho) e Dilma perdeu 27 pontos no mesmo período. Para Haddad, o índice de aprovação caiu 16 pontos no mesmo intervalo: de 34% para 18%9. Para Ricardo Antunes e Ruy Braga (2013, p. 21), as manifestações de junho arruinaram o mito de que o Brasil é um país de classe média, em crescimento e no caminho para ser a quinta economia do mundo, um país paradisíaco onde todos se saem bem e estão satisfeitos com seus governantes e com o atual modelo de desenvolvimento.


Ainda segundo Ricardo Antunes e Ruy Braga (2013, p. 21), “o atual ciclo de mobilizações populares demonstrou a existência de uma profunda inquietude com a reprodução de todo o sistema político representativo nacional”. Esta insatisfação pode ser medida na vertiginosa queda de popularidade dos principais governantes brasileiros, depois das manifestações de junho de 2013.


No Rio de Janeiro, onde os confrontos foram igualmente violentos, a popularidade do governador Sérgio Cabral (PMDB) caiu 30 pontos percentuais. Sérgio Cabral obteve 25% de ótimo e bom e seu índice de aprovação caiu de 50% para 30%. A desaprovação fez a trajetória inversa: subiu de 12% para 36% para o período entre início e fim de junho. Para o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), o índice de aprovação caiu de 50% para 30%. A desaprovação passou de 12% para 33%10.


No Paraná, em fevereiro, o governador Beto Richa atingia o índice de 73% de aprovação dos paranaenses11. Em julho, logo após os protestos, apenas 41% dos paranaenses consideravam sua gestão ótima ou boa. Patamares de aprovação abaixo de 50% colocam em risco as perspectivas de reeleição ou eleição de sucessores de quaisquer governantes12.


Dados de queda de popularidade como estes se deram em todos os estados e afetaram a imagem pública dos que estão no exercício de representação política, tanto no executivo quanto no legislativo. A questão que se coloca é: os governos irão tolerar novas manifestações em meados de 2014, quando se dará o evento esportivo da Copa do Mundo? Irão correr o risco de enfrentar novos atos que possam colocar em risco seus projetos de eleição ou reeleição?


Desta forma, é possível perceber que a utilização de novos mecanismos de repressão aos movimentos sociais estão em andamento e serão utilizados com mais rigor e força. Entre eles está o processo de recrudescimento de normas legais e o reaparelhamento das polícias estaduais.


O governo brasileiro negocia a compra do armamento relacionada à defesa do país durante o mundial de futebol, no meio de 2014, e também dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Os valores divulgados ultrapassam US$ 1 bilhão. A tensão em torno das obras dos megaeventos esportivos tem sido grande em todo o país a ponto da Copa das Confederações ter sido alvo de muitos protestos, também duramente reprimidos. Apenas na capital fluminense, segundo a Anistia Internacional, cerca de 19 mil famílias, moradoras de comunidades pobres, foram despejadas desde 2009 para a construção de projetos relacionados direta ou indiretamente com os jogos. Também a ONU acusou o Brasil de desalojar pessoas à força por conta das obras da Copa e das Olimpíadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Natal e Fortaleza13.


No Rio de Janeiro, após duas semanas do início dos protestos de junho, o governo do estado empenhou, via Siafem (Sistema Integrado de Administração Financeira), em 19 de junho, o reabastecimento, em caráter emergencial, de bombas de gás lacrimogêneo e munições não letais no valor de R$ 1,6 milhão. A compra de dois mil explosivos se deu sem licitação, uma vez que a empresa Condor S/A Indústria Química é a única no Brasil que produz tais equipamentos. Em Roraima, foi acelerada a nomeação de 300 oficiais aprovados no concurso público, além dos 300 que já estão na fase de capacitação e treinamento14.


No Pará, 695 veículos foram entregues somente no mês de julho. Nas semanas seguintes, mais 305 veículos foram entregues a outros municípios15.


No Piauí, apenas neste ano, foram destinados cerca de R$ 20 milhões para a PM, sendo R$ 10 milhões para a aquisição de 60 viaturas de grande porte e 165 novas motos 350 cilindradas, para policiamento de repressão e prevenção, destinada ao RONE. Em setembro, o governo do Piauí intensificou os investimentos em equipamentos e armamentos. Apenas este ano, a PM recebeu 2.000 coletes balísticos, 406 pistolas, 100 espingardas calibre 12, 40 fuzis, 1.200 coletes táticos, 900 kits de guarnição e 100.000 munições16.


No Paraná, o governo autorizou, em 24 de setembro, a abertura de licitação para a compra de 116 módulos móveis de policiamento e de 200 motocicletas. Além disso, após os protestos de junho, foram entregues 1.220 novas viaturas e autorizadas a instalação de novos batalhões da PM e a contratação de mais policiais civis, militares e bombeiros, sendo que 3.127 já foram incorporados. Dois concursos estão em andamento no segundo semestre de 2013: um deles para contratação de mais 5.264 PMs17.


A prefeitura de São Paulo rapidamente providenciou o investimento de cerca de R$ 26 milhões após o início dos protestos, sendo R$ 435.891,95 mensais durante o período de 60 meses para novos veículos (carros convencionais, pick-ups e peruas). Foram entregues, no dia 23 de setembro, 186 novas viaturas para a Guarda Civil Metropolitana (GCM)18.


No dia 7 de julho de 2013, o jornal O Globo noticiou que a Polícia Militar de São Paulo decidiu promover uma licitação de US$ 30 milhões para comprar novos equipamentos e, com isso, reforçar a estrutura de segurança da Copa de 2014. Entre os equipamentos a serem adquiridos está um caminhão com um canhão d’água, instrumento destinado para a dispersão de multidões. A PM planeja comprar um modelo similar ao usado pela polícia turca para reprimir manifestantes na Praça Taskim, epicentro dos recentes protestos na Turquia19.


Parece claro que o poder público de todo o país se prepara para conter quaisquer perspectivas de mobilizações populares em 2014. Para HOBSBAWM (2007, p. 136),


não é só a mão de obra que aumenta; aumenta  também o emprego da força, pois os especialistas em empregos de massas hoje dispõem de quatro tipos de instrumentos para enfrentarem manifestações: químicos (por exemplo, gás lacrimogêneo), cinéticos (como armas de dispersão), balas de borrachas, jatos de água e tecnologias de atordoamentos.


Como vivemos numa época em que as armas são exclusivas das forças armadas e militares (exceto em alguns países como os Estados Unidos), só um lado tem armas letais e dispersão, no caso do Brasil, utilizadas em larga escala contra qualquer manifestação. No caso de São Paulo na repressão às ações em favor do passe livre, armas não letais foram utilizadas, como balas de borracha, gás lacrimogêneo e de dispersão ou efeito moral.


No caso da tentativa de reintegração de posse em uma fazenda no Mato Grosso do Sul, na cidade de Sidrolândia, além das armas não letais utilizadas, um indígena foi morto com um tiro de arma letal.


Na manifestação do dia 15 de outubro de 2013, na cidade do Rio de Janeiro, tivemos pela primeira vez a utilização de armas letais: um estudante de 18 anos foi baleado na manifestação de apoio aos professores em greve. Horas depois, o estudante relatou que não “escutou e nem sentiu o tiro”20, o que indica que uma nova forma de repressão pode estar sendo instalada para aterrorizar os que pretendem manifestar pelas ruas da cidade do Rio Janeiro (que é um elemento comum em guerras civis): o de franco-atiradores, escondidos em prédios e atirando para reprimir violentamente as manifestações.


Portanto, com o advento dos grandes eventos esportivos no país, já está em andamento o aumento dos efetivos das forças de controle e dispersão, bem como a aquisição de uma quantidade sem fim dos materiais descritos acima, como bombas de gás lacrimogêneo, canhões sônicos, sprays de pimenta e carros que lançam jatos de água. Estoques de balas de borrachas e equipamentos de prevenção a “ataques terroristas” e ameaças externas serão adquiridos com dinheiro público, que jorrará abundante para os caixas de poucas indústrias privadas e, no final dos eventos, todos esses equipamentos de segurança irão compor os instrumentos das forças estaduais e federal na luta contra manifestantes com bandeiras, gritos e palavras de ordem, pedindo mais educação, saúde, trabalho, segurança, emprego, transporte público decente, moradia, cultura e lazer.


Para proteger os novos estádios e o chamado “estado democrático de direito”, mais recursos em armas letais, mais seguranças, mais imagens na mídia burguesa de violência, o que irá justificar cada vez o mais do mesmo, ou seja, mais gastos em armas letais e não letais e mais dinheiro para as indústrias de armas, mais propagandas nas mídias burguesas a serviço deste estado policialesco e menos liberdade para todos nós.


Notas


1. Jornal Brasil de Fato, 11 jun. 2013. Acesso em: 16 out. 2013.


2.  Jornal Folha de São Paulo, edição online de 16 mar. 2013. Acesso em: 16 out. 2013.


3. Em São Paulo, vinagre dá cadeia. Revista Carta Capital online do dia 14 jun. 20013. Acesso em: 16 out. 2013.


4. Cidades Rebeldes, p. 14.


5. Cidades Rebeldes, p. 14.


6. Disponível em: <http://passapalavra.info/2011/09/46384>. Teses sobre a revolta do Buzu. Site Passa Palavra, 2011. Acesso em: 4 nov. 2013.


7. Cidades Rebeldes, p. 16-17.


8. Para ver mais sobre o tema: Teses sobre a revolta do Buzu. Site Passa Palavra, 2011. Disponível em: <http://passapalavra.info/2011/09/46384>.


Acesso em: 5 nov. 2013.


9.  Jornal Folha de São Paulo, 1 jul. 2013.


10.  Jornal Folha de São Paulo, 1 jul. 2013.


11.  Jornal Folha de São Paulo, p. A4, 29 jun. 2013.


12. Pesquisa IBOPE/CNI. Jornal Gazeta do Povo online, 26 jul. 2013. Acesso em: 16 out. 2013.


13. Disponível em: <http://esportes.br.msn.com/copa-2014/noticias/brasil-negocia-compra-de-armas-da-r%C3%BAssia-para-a-copa-do-mundo-diz-jornal>. Acesso em: 16 out. 2013.


14. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1386360&tit=PM-do-RJ-reabastece-estoque-de-gas-lacrimogeneo>. Acesso em: 08 nov. 2013.


15. Disponível em: <http://www.policiacivil.pa.gov.br/?q=content/governo-do-par%C3%A1-entrega-mais-50-novas-viaturas-policiais-no-sudeste-paraense>. Acesso em: 10 ago. 2013.


16. Disponível em: <http://www.piaui.pi.gov.br/noticias/index/id/12415>. Acesso em: 17 set. 2013.


17. Disponível em: <http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=76869.>. Acesso em: 08 nov. 2013.


18. Disponível em: <http://www.ssp.go.gov.br/noticias/rotam-recebe-novos-equipamentos-e-reforca-policiamento-nas-ruas.html>. Acesso em: 02 out. 2013.


19. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/pm-de-sp-lanca-licitacao-de-30-milhoes-para-renovar-equipamentos-8964977>. Acesso em: 08 jul. 2013.


20. Jovem baleado em protesto no Rio não ouviu nem sentiu o tiro, diz delegado. Disponível em:


<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/10/16/jovem-baleado-em-protesto-no-rio-nao-ouviu-nem-sentiu-o-tiro-diz-delegado.htm>. Acesso em: 16 out. 2013.


Referências


ANTUNES, Ricardo , BRAGA, Ruy. Los días que conmovieron a Brazil. Las rebeliones de junio-julio e 2013. In Herramienta, revista de debate y crítica marxista. Buenos Aires: Ediciones Herramientas: 2013. p. 9-34.


BRAGA, Ruy. Sob a sobra do precariado. In Cidades Rebeldes. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 79-82.


HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Cia das Letras, 2007.


Movimento Passe Livre. Não começou em Salvador e não vai terminar em São Paulo. In Cidades Rebeldes. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 13-19.











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Hélvio Alexandre Mariano



Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO


E-mail: hmariano1934@hotmail.com


 


Denny William da Silva


Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO


E-mail: denny_william@hotmail.com